Em matéria de segurança social, o Governo foi “ao infinito e mais além” da troika. Nada como ler o Memorando. Na sua versão inicial, o tema pensões era praticamente ausente.
O que se tem passado com as pensões é o melhor observatório político dos últimos 4 anos. Estamos mesmo perante um caso em que a expressão “ir além da troika” é desadequada. Em matéria de segurança social, o Governo foi “ao infinito e mais além” da troika. Nada como ler o Memorando. Na sua versão inicial, o tema pensões era praticamente ausente. Para BCE, Comissão e FMI, com a reforma de 2007, Portugal tinha passado a ser um dos países onde o risco de sustentabilidade financeira do sistema de pensões era menor.
No que toca a pensões, o Memorando previa apenas uma redução das pensões acima dos 1500 euros, congelamento do seu valor e englobamento do rendimento das pensões para efeitos de IRS. Depois, o Governo iniciou a sua caminhada imparável rumo ao experimentalismo económico, concentrou uma dose excessiva da austeridade no primeiro exercício orçamental e os resultados são conhecidos: colapso da economia, brutal aumento de impostos para compensar o falhanço e cortes sem critério nos maiores agregados da despesa, à cabeça as pensões. Estimativas conservadoras apontam para uma perda de 9 mil milhões de euros na segurança social neste período, resultado combinado da queda das contribuições e do aumento da despesa com subsídio de desemprego.
Sem nenhuma reflexão e, pior, sem qualquer planeamento, o sistema previdencial tornou-se, num ápice, vítima privilegiada da degradação económica e da deterioração do contexto demográfico. Com consequências: a confiança (um ativo fundamental de qualquer sistema de segurança social) ficou ferida, as clivagens geracionais foram cavalgadas politicamente e as condições para alterações negociadas e passíveis de estabilizar as regras do sistema saíram diminuídas. É esse o legado deste desgoverno na segurança social.
O reforço da sustentabilidade da segurança social precisa, acima de tudo, de recuperação económica e de uma retoma da confiança, mas requer também uma repartição do esforço, que não pode recair só nos atuais ativos, e muito menos apenas na contribuição do fator trabalho. Ao mesmo tempo que uma estratégia de reforma tem de incidir também no regime não contributivo e nas pensões mínimas. Infelizmente, por culpa do atual Governo, as condições para um compromisso amplo são, hoje, muito escassas.
Agora a situação é de facto de rutura, como reconheceu a ministra das Finanças: se continuarmos a escavacar a economia, a destruir emprego ao ritmo dos últimos anos (mais de 400 mil postos de trabalho), a incentivar os jovens qualificados a saírem da sua zona de conforto e a emigrarem (outros 400 mil) e a fazer colapsar as contribuições e a aumentar a despesa com proteção no desemprego, não há segurança social que resista. Aliás, não há nada que seja sustentável: nem pensões, nem sistema educativo, nem serviço nacional de saúde, nem sequer as mais elementares funções de soberania.
Pedro Adão e Silva
Expresso, Opinião 30.05.2015