O IRS aliviou as famílias

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“A reforma do IRS foi um importante passo para reduzir a burocracia e aliviar as famílias, sobretudo as que têm mais encargos. É, sem dúvida, uma reforma amiga da família.” A frase [não se riam] está inscrita no Portal do Governo. O primeiro de uma série de 20 pontos sobre o ímpeto reformista destes quatro anos. Já se sabia que a propaganda impunha a confusão entre cortes e reformas, mas era difícil imaginar tanto descaro. Alguém avise os especialistas em marketing eleitoral que é tão contraproducente assumir compromissos que não se podem cumprir (estratégia de Passos há quatro anos) como reclamar créditos sobre vantagens fictícias (estratégia atual de Passos).

É verdade que o IRS merece integrar a lista de cortes/reformas deste Governo, mas com outro texto. Qualquer coisa como: “O enorme aumento de impostos (expressão de Vítor Gaspar, lembram-se?), através da mudança de escalões de IRS e a criação da sobretaxa, foi um importante passo na estratégia de empobrecimento dos portugueses e no alívio da capacidade das famílias em pagarem as suas contas, sobretudo as que têm mais encargos com os filhos”.

A discussão sobre se havia ou não alternativa aos cortes/reformas pode e deve fazer-se. E percebe-se que, quem os aplicou, muitas vezes “além da troika” (expressão de Passos Coelho, lembram-se?), os defenda com unhas e dentes. Podia até ser que a mentira sobre o IRS ajudasse PSD e CDS a sobreviver às eleições, mas ficaria também clara a propensão dos portugueses para conviver com a demência.

Mal por mal, entre a falácia do Portal do Governo e as metáforas do primeiro-ministro, antes as segundas. Pelo menos nestas assume ao que veio. “O objetivo que temos é vencer a doença, não é o de perguntar se as pessoas, durante esse processo, têm febre ou têm dor ou se gostam do sabor do xarope ou se o medicamento que tomam lhes faz um bocado mal ao estômago ou qualquer outra coisa”, explanou por estes dias o Doutor Passos numa cátedra aos alunos da JSD. Traduzindo para português corrente, qualquer coisa como: “O objetivo que temos é aumentar a receita do Estado, não é o de perguntar se as pessoas, durante o processo de saque fiscal, deixam de poder pagar a casa ou a escola dos filhos ou se gostam de ficar sem o subsídio de férias ou se ao deixarem de ter dinheiro para se alimentarem isso lhes faça um bocado de mal ao estômago ou qualquer outra coisa“. Comparado com o texto cuidado do Portal do Governo, as metáforas de Passos, reconheça-se, são um pouco mais burlescas. Mas também mais verdadeiras. E na linha daquela visão segundo a qual o que interessa é que o país esteja a melhor, ainda que as pessoas estejam pior.

Rafael Barbosa
Opinião JN 14.05.2015