O cruzamento entre a “silly season” e a campanha eleitoral deu-nos a trapalhada dos cartazes eleitorais, mas também esse monstro do absurdo que foi a discussão sobre se afinal desce o desemprego ou desce o emprego, o que, bem vistas as coisas, é em ambos os casos verdade.
Discutir a altura da onda acabou por ser um bom serviço para aqueles a quem não interessa explicar o caminho que navegamos neste mar, impelidos por correntes inexoráveis que podem ser sinal de um novo mundo, mas que dificilmente poderão ser encaradas como um mundo melhor.
O que aconteceu nos últimos anos no mercado de trabalho é talvez a maior “reforma” que este Governo fez, ao alterar as relações de poder entre empregador e empregado, com claro benefício para o primeiro. Para isso, contribuíram as sucessivas reformas laborais, mas também a desvalorização do valor de trabalho e o aumento do desemprego, que cria a bolsa de necessitados capaz de empurrar os que têm emprego para uma situação de fragilidade, que os leva a aceitar os sucessivos cortes e perdas de regalias.
Tenho todas as dúvidas de que esta desvalorização laboral nos conduza a uma melhor economia, baseada que é na precarização do trabalho e nos salários baixos. Mas tenho a certeza de que está a aprofundar os problemas sociais, a contribuir para o desemprego, para o subemprego e para o mal-estar que nasce do aumento do fosso entre pobres e ricos.
Não, não defendo o emprego para a vida, nem a impossibilidade de despedir os incompetentes ou os que estão a mais. Simplesmente, acho que todos ganharíamos com uma relação mais equilibrada, em que se privilegiasse a negociação e os compromissos.
É preciso dizer que o Governo forçou este caminho, mas também que, em grande parte, surfou uma onda global que começa a estabelecer-se como o mundo habitual. O contrato coletivo já é quase uma peça de museu e qualquer dia o contrato de trabalho também. Porque todos somos “empreendedores”, “empresários”, “criadores do próprio emprego”, no fundo prestadores de serviços sem vínculo laboral.
O cúmulo desta liberalização são as aplicações tipo Uber, que têm sido mais conhecidas por serem uma alternativa aos táxis, mas que representam, cada vez mais, um novo funcionamento do mercado de trabalho, onde entre trabalhador e cliente não parece haver intermediários. Como dizia um condutor da Uber à revista “Time”, “o meu patrão é uma “app””. A amarga verdade descobrirá ele quando tiver um acidente em serviço ou ficar doente e perceber que só tem patrão quando consegue trabalhar.
Opinião JN 14.08.2015