A vulgarização de actos loucos que conduzem à morte é inaceitável. Sejam terroristas, traumatizados ou psicopatas. A morte, mesmo chancelada por um tribunal, nunca pode ser um lugar-comum.
Os recentes acontecimentos em França e na Turquia obrigam-nos a questionar a capacidade humana em evoluir. Ataques inexplicáveis, mortes sem nexo, golpes sem sustentação, atos que criam instabilidade e medo, e representam mais algumas lamentáveis notícias que têm dominado o nosso quotidiano.
Desde o 11 de Setembro, onde em direto pelas televisões, partilhamos o espanto, o choque, o inesperado, a dimensão crescente da violência que nos tem atingido de forma inapelável. Então, incrédulos, olhamos para aviões comerciais iguais aos que cruzam os nossos céus, que se dirigiram cúmplices e impunes para os elegantes arranha-céus de Nova Iorque. Símbolos do sucesso e do desenvolvimento, ali se curvaram perante a maldade pura e dura.
Vendo não queríamos acreditar. Foi um puro ato de violência gratuito e de resultados inconsequentes meramente para alimentar o terror. Foi um dia que modificou a nossa perceção para lidar com fenómenos inexplicáveis. Do mesmo modo, vimos avançar implacável um camião, subindo e descendo passeios, ceifando vidas pela marginal de Nice, como tínhamos assistido ao ataque de Novembro em Paris. Nestes últimos anos assistimos ao regresso de atos convencionais de guerra no Iraque, na Líbia ou no Egito.
Acreditámos que a Al Qaeda definharia com o desaparecimento de Bin Laden. No mesmo período, assistimos à Primavera Árabe convictos de que o mundo se transformaria e os povos se libertariam. Acreditamos na evolução política e social, fruto da globalização e do acesso generalizado às novas formas de informação.
Repentinamente, demos conta que afinal o mundo não evoluiu. Não obstante todas as discussões, tratados e decisões em defesa dos direitos humanos, elas não passam de proclamações. Os conflitos armados crescem e o terrorismo institucionalizou-se. Este até tentou assumir a forma de um estado. As regras e os princípios de direito internacional deixaram de contar.
Mesmo a forma convencional de guerra deixou de fazer sentido. “Declarar a guerra e fazer a paz” passou a ser uma expressão quase vazia de significado. Confrontados com atos tresloucados de indivíduos que lançam veículos sobre multidões ou pegam em machados, facas ou punhais para fazer a sua guerra, tudo o que defendemos nos areópagos internacionais não tem significado.
A guerra declarada entre polícias e negros nos EUA é a face de uma moeda onde cabem ainda a rejeição dos refugiados, os ataques à soberania estadual, o desrespeito pela vontade dos povos. No verso dessa mesma moeda caem os extremismos, os populismos e os radicalismos, venham estes de onde vierem.
Portugal, que deu uma lição ao mundo ao abolir a pena de morte em 1867 – fará 150 anos no próximo ano – não pode assistir calado à sua reinstituição. Não é pelo facto de existir noutros países que tal legitima o julgamento fatal de pessoas sobre pessoas.
A vulgarização de atos loucos que conduzem à morte é inaceitável. Sejam terroristas, traumatizados ou psicopatas. A morte, mesmo chancelada por um tribunal, nunca pode ser um lugar-comum. Nem reparar a injustiça pode ser um ato de amnésia, nem o respeito pelos direitos iguais de todos pode ser uma ignomínia.
A preocupação noticiosa dominante da última década era a economia. Estamos enganados. É a sociedade que nos deve preocupar. O grau de evolução que merece atenção, cuidado e ponderação. O coletivo pacífico parece ser um objetivo mais complexo de atingir. Mas não podemos desistir.
O mundo está estranho. Tão estranho.