O pão para a boca de Passos

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Pedro Passos Coelho foi esta semana ao Conselho Nacional do PSD defender a descida da Taxa Social Única (TSU), uma afirmação de que há várias ilações a tirar. A primeira é que o primeiro-ministro é coerente. Quer baixar os custos de trabalho para as empresas, diminuindo a sua contribuição para a Segurança Social. A primeira tentativa foi a 7 de setembro de 2012, quando Passos anunciou ao país numa comunicação televisiva uma descida de sete pontos na contribuição das empresas para a TSU, compensada por um aumento da mesma dimensão da contribuição dos trabalhadores. A estupefação, inclusive do líder do parceiro da coligação, Paulo Portas, foi geral, perante a medida gizada por Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque, então ministro das Finanças e secretária de Estado do Tesouro.

A segunda ilação é que o primeiro-ministro é corajoso. A medida gerou uma recusa unânime por parte dos parceiros sociais e deu origem à maior manifestação desde abril de 1974, que juntou mais de um milhão de pessoas a 15 de setembro. Por isso, é preciso ter muita coragem para a revisitar a seis meses de eleições legislativas.

A terceira ilação é que a estratégia agora é diferente. Com efeito, o primeiro-ministro não pretende compensar a descida da TSU para as empresas com a subida das contribuições dos trabalhadores ou do IVA, mas recorrendo à flexibilidade que as novas regras europeias permitem, i.e., desvios orçamentais, desde que tenham a ver com reformas estruturais que potenciem a competitividade e o emprego. Ou seja, o défice aumentará por esta via mas não contará para Bruxelas. A quarta ilação é que esta medida é para patrões verem. É que ela só pode ser aplicada em países que não estejam com défices excessivos — e Portugal, se tudo correr bem este ano, só em 2016 poderá colocá-la em vigor. Mas entretanto há eleições legislativas pelo meio e desconhece-se se será Passos Coelho que sucede a Passos Coelho.

A quinta ilação é que Passos ou não fez contas ou a medida não é “one shot”. É que uma descida de um ponto na TSU equivale, grosso modo, a €300 milhões. Sete pontos são portanto €2100 milhões. Não se vê que Bruxelas, mesmo acreditando que daqui vai resultar um aumento da competitividade e do emprego, permita uma tal derrapagem do défice num único ano. A sexta ilação é que o dr. Passos está a esconder-nos o mais importante. E o mais importante é que se a medida visava descer os custos unitários de trabalho em 7%, então isso já foi conseguido, porque eles já se reduziram 6,1% entre 2010 e 2012 (contas de Bagão Félix). Insistir nesta via é duplicar o bónus de que as empresas já beneficiaram.

Finalmente, é com uma lágrima ao canto do olho que ouvimos o dr. Passos dizer que a descida da TSU é necessária porque “precisamos como de pão para a boca de aumentar o investimento e criar emprego”. Para um Governo que só ano passado cortou €700 milhões de investimento público para compor o défice e que já tinha feito o mesmo em anos anteriores; para um Governo que assistiu a uma quebra de 40% do investimento durante o período de ajustamento, sem nada ter feito para a contrariar, como não nos comovermos com esta descoberta do dr. Passos?

Nicolau Santos
Expresso 18.04.2015