O que dá vender empresas a estrangeiros

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PARECE BASTANTE INSUSTENTÁVEL A TESE DE QUE NÃO INTERESSA PARA NADA A NACIONALIDADE DO CAPITAL QUE DETÉM AS EMPRESAS. A CIMPOR, A PT E A NOSSA BALANÇA DE PAGAMENTOS PROVAM EXATAMENTE O CONTRÁRIO

No hipermercado das ideias económicas há quem defenda acerrimamente que não interessa a nacionalidade de quem detém as empresas, o que conta é se elas funcionam bem ou mal. Sou dos que pensa que o passaporte faz toda a diferença. E os exemplos abundam.

Por exemplo, a Cimpor funcionava bem ou mal? Bem, muito bem. Era uma das empresas portuguesas não financeiras mais internacionalizadas do país, podendo considerar-se sem favor uma multinacional na área dos cimentos. Dava emprego a quase um milhar de engenheiros portugueses. Depois de ter sido comprada pelos brasileiros da Camargo Côrrea, a sede passou para o Brasil e a empresa evaporou-se. Desapareceu. Sumiu. Os ativos foram integrados na Camargo Côrrea. A empresa reduziu drasticamente o seu pessoal em Portugal. E obviamente que os lucros realizados no mercado português passaram a ser transferidos para o Brasil, não tendo havido novos investimentos em Portugal.

A PT funcionava bem ou mal? Bem, muito bem. Era considerada uma bandeira de Portugal nos mercados externos e vista como uma empresa altamente inovadora. Dava emprego a milhares de quadros altamente especializados e investia de forma massiva na economia portuguesa, apostando em particular na inovação, através da PT Inovação, situada em Aveiro e que dá vida a dezenas de pequenas e médias empresas. Hoje, depois de ter sido comprada pela francesa Altice, a PT perdeu todo o seu fulgor (e o nome: agora chama-se Pharol), o seu ímpeto inovador, a sua aposta em novos investimentos, muitos dos seus quadros altamente qualificados, a sua exposição aos mercados externos. E os seus lucros, claro, são transferidos para França.

É por isso que ninguém se deve admirar pela balança de pagamentos portuguesa se estar a degradar fortemente, tendo o défice externo aumentado 19 vezes mais até junho que no mesmo período do ano anterior. Na balança de pagamentos, dividida em balanças corrente, de capital e financeira, esta última, onde são contabilizadas as transações sobre ativos e passivos financeiros (como ações de empresas, títulos de dívida ou empréstimos) está a degradar-se fortemente: -158 milhões nos primeiros seis meses de 2015, défice de mais de mil milhões no mesmo período deste ano.

Quer isto dizer que o capital nacional está a deter menos ativos no exterior e no interior – e isso tem um duplo efeito: não só vem menos resultados do exterior relativos à atividade desses ativos, como saem mais dividendos de empresas que estão no mercado interno mas são detidas por capital estrangeiro. E o pequeno problema é que isto não é conjuntural, mas sim uma tendência estrutural: por exemplo, os lucros da EDP, da REN, da Luz Saúde, do Haitong Banco ou da companhia de seguros Fidelidade saem direitinhos de Portugal para a distante República Popular da China.

Junte-se a isto um aumento dos passivos dos bancos portugueses e o desinvestimento dos estrangeiros em participações de capital e dívida de longo prazo e temos a explicação para o défice fortemente agravado na balança financeira.

Parece, por isso, bastante insustentável a tese de que não interessa para nada a nacionalidade do capital que detém as empresas. A Cimpor, a PT e a nossa balança de pagamentos provam exatamente o contrário.

Nicolau Santos
Opinião Expresso Diário 19.08.2016