NO PONTAL, PPC APONTOU AO TC
Este ano a época de caça começou mais cedo. Há já algum tempo que nos media se multiplicam artigos ou intervenções sugerindo o perigo de os juízes intervirem na política governamental, sem competência ou conhecimento do assunto para tal. Recomendações sobre que deveriam ter isto e aquilo em atenção. Lamentos pela Constituição que temos. Variações múltiplas sobre um mesmo tema, em última análise um ataque em forma à Constituição, quando se aproxima a hora da verdade quanto aos diplomas em que se baseará a Lei do Orçamento de Estado para 2014.
No início da semana veio o Ministro Poiares afirmar peremptoriamente que o Governo tem a certeza de que os diplomas são constitucionais. Quase uma declaração de constitucionalidade da parte de quem não tem competência para tal. Acaso respeitasse a independência e competência própria de um outro órgão de soberania, o governo poderia declarar-se, quando muito, convicto da referida constitucionalidade, ao mesmo tempo que deveria aguardar com recato a decisão de quem tem poder para julgar nesta matéria.
Mas a convicção do governo é também, ela própria “sui generis”. O governo dispõe dos seus assessores jurídicos auferindo chorudos vencimentos e, sobretudo, de firmas de consultoria pagas a peso de oiro. A função de uns e outros é dar parecer sobre a legalidade e constitucionalidade dos projectos de diplomas e, em caso de dúvida, torná-los ou fazê-los parecer tal. O que aconteceu com a manobra de cosmética legislativa aplicada ao confisco dos subsídios de férias e Natal a funcionários públicos e reformados após o acórdão de 2012 é, quanto a isto, paradigmático. Tal como este ano ao querer fazer crer que os cortes das pensões são temporários e impostas pela exigência de equidade (uma exigência que, porém, se admite que no futuro se torne menos exigente).
O processo de análise das medidas propostas pelo TC prevê que, a seu tempo, o governo apresente todos os seus argumentos, como também os opositores das mesmas apresentarão os seus. E tanto devia bastar. Mas sabemos que, a partir de agora todos os meios serão mobilizados para condicionar a decisão do Tribunal e esconjurar os “perigos constitucionais”. Não devemos, por isso, nós próprios, permitir que o tereno da propaganda e da pressão seja ocupado em exclusividade pelos nossos adversários. Devemos responder taco a taco a cada uma das manobras do governo com os meios à nossa disposição. E não é inevitável que as nossas iniciativas fracassem necessariamente face à desproporção de meios. E temos uma grande vantagem: não precisamos de artifícios, manobras e habilidades jurídicas para fazer com que as nossas posições PAREÇAM constitucionais. Não precisamos de esperar que os juízes do TC “fechem os olhos”, mas antes que os mantenham bem abertos cumprindo a missão de vigilância a que os obriga o seu juramento.
O governo não se limita a afirmar a constitucionalidade das suas propostas, pretende que o TC delibere tendo em conta as opções políticas da governação do país. Foi isso, em resumo, o que PPC afirmou no Pontal e a procissão ainda vai no átrio. Em última análise, quer tomar para si a decisão sobre a constitucionalidade e legalidade dos actos governativos, ou pelo menos que quem tome essa a decisão o faça em conformidade com a sua própria “interpretação” da CRP. Os critérios últimos, para PPC e o seu governo são a concretização o seu próprio projecto político-ideológico e o interesse dos credores.
Se o país anda para a frente ou para trás, na perspectiva do governo, claro, se os credores se zangam ou não, não são critérios que o Tribunal Constitucional deva ter em conta. A competência deste, e só ele a tem, é avaliar se os actos governativos são ou não conformes com a Constituição. Vergar-se ao projecto político-ideológico do actual governo equivaleria, de facto, a consumar-se um golpe de estado constitucional. Vergar-se aos interesses dos credores, colocá-los acima da Constituição, mais não seria que uma nova forma de rendição perante um novo tipo de conquista. O que têm de decidir é se sim ou não as medidas propostas ferem a Constituição. Não compete aos juízes do Tribunal Constitucional governar o país, promover o “bem comum” ou sequer atender às reivindicações deste ou daquele grupo social, nem mesmo às dos Funcionários Públicos e Reformados. Compete-lhes garantir que não é violado o império da Lei.
Luís Gottschalk