A “CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA” DE HÉLDER ROSALINO PARA ESPOLIAR OS APOSENTADOS E REFORMADOS (E TAMBÉM OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS) E DESPOJÁ-LOS DOS SEUS DIREITOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS POR TEMPO INDETERMINADO
Para quem não saiba: Hélder Rosalino é o actual secretário de Estado da Administração Pública. Esta secretaria de Estado pertence ao Ministério das Finanças. Hélder Rosalino está, pois, sob as ordens de Vítor Gaspar, detentor da pasta das Finanças e segunda figura da hierarquia do governo, segundo esclareceu recentemente o primeiro ministro, Pedro Passos Coelho.
O senhor Hélder Rosalino escreveu no jornal «Público» (14-12-12) um «artigo de opinião» tentando justificar os cortes ilegais e inconstitucionais que o Orçamento de Estado para 2013 quer aplicar às pensões dos aposentados e reformados.
Antes de passar ao exame do seu artigo, importa recordar o seguinte:
1. O OE de 2012 cortou duas pensões mensais aos aposentados e reformados, assim como os chamados subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos. Estes cortes foram ulteriormente declarados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional (TC), por violarem o princípio constitucional da igualdade na repartição dos encargos públicos. Todavia, o TC decidiu isentar o governo da obrigação de devolver às vítimas desses cortes os rendimentos de que foram espoliados, alegando ser já tarde demais para o fazer.
2. Perante esta decisão salomónica, o governo decidiu, atrevidamente, tentar, novamente, a sua sorte. Através do artigo 77º do OE para 2013, pretende cortar uma parte substancial de uma pensão mensal aos aposentados e reformados que auferem pensões entre 600 e 1100 euros brutos. Essa parte sobe para 90% de uma pensão mensal para os aposentados e reformados que auferem pensões superiores a 1100 euros brutos.
3. Além deste corte, inventou, através do artigo 78º do OE para 2013, uma chamada “contribuição extraordinária de solidariedade” (CES). Trata-se de um corte suplementar sobre a totalidade das 13 pensões mensais remanescentes que varia da seguinte maneira:
A) um corte de 3,5% para as pensões entre 1350 e 1800 euros brutos; B) um corte cumulativo de 16% sobre o remanescente das pensões entre 1800,01 e 3750 euros brutos, perfazendo um corte total que varia entre 3,5% e 10% ; C) um corte de 10% para as pensões entre 3750,01 e 5030 euros brutos; D) um corte cumulativo de 15% sobre o remanescente das pensões entre 5030,01 e 7545 euros brutos; E) um corte cumulativo de 40% sobre o remanescente das pensões superiores a 7545,01 euros brutos.
4. Note-se que os cortes da chamada CES se aplicam exclusivamente aos aposentados e reformados. Aos funcionários públicos é aplicada, em menor grau, uma medida da mesma índole, visto que terão reduções salariais entre 3,5% e 10% se auferirem salários entre 1500 e 4165 euros brutos.
5. Além dos cortes nas pensões de aposentação ou reforma (ponto 2) e dos cortes ainda mais gravosos da hipocritamente baptizada “contribuição extraordinária de solidariedade” (ponto 3), os aposentados e reformados estão sujeitos, também, à sobretaxa de 3,5% de IRS e às novas e mais elevadas taxas de IRS resultantes da redução da progressividade dos escalões deste imposto de 8 para 5 escalões, que se aplicarão a todos os contribuintes que vivem dos seus salários e pensões — salvo os que tiverem rendimentos que se inserem no escalão mais baixo do IRS e outras situações especiais, como a das pessoas que vivem com as desvantagens decorrentes de uma deficiência.
No seu artigo de opinião, Hélder Rosalino omite piedosamente qualquer justificação para os cortes nas pensões previstas no artigo 77º do OE para 2013 (cf. ponto 2). Mas invoca um argumento, já presente no texto do Relatório sobre o OE para 2013, para justificar a diferença entre os cortes definidos para os pensionistas (acima de 1350 euros) e os estabelecidos para os funcionários públicos (acima de 1500 euros). O argumento é o de que os primeiros teriam o direito de deduzir no IRS esses cortes, coisa que estaria interdita aos segundos. “Não é, pois, correcto dizer-se que, para níveis de rendimento iguais, aos reformados será exigido um esforço contributivo maior dos que é exigido para os trabalhadores. Tal só se verifica para rendimentos claramente superiores a 5 mil euros, como já acontece em 2012”, sublinha o secretário de Estado.
O governante afirma ainda que a diferença entre os cortes teve em conta o facto de os rendimentos das pensões não estarem sujeitos a contribuições para a Caixa Geral de Aposentações (CGA) ou para a Segurança Social, ao contrário dos trabalhadores no activo, que descontam todos os meses para estes sistemas.
Hélder Rosalino zomba da lógica e das leis em vigor, escarnece dos seus antepassados políticos e toma-nos a todos — aposentados e reformados, funcionários públicos, trabalhadores do sector privado, etc — por tolos.
Hélder Rosalino zomba da lógica porque todos compreendemos que qualquer pessoa que se aposente ou reforme deixa, automatica e necessariamente, de contribuir para a Caixa Geral de Aposentações ou para o Centro Nacional de Pensões (Segurança Social), para passar a receber a pensão a que tem direito pelas contribuições que efectuou, ao longo da sua carreira contributiva (juntamente com a sua entidade empregadora, no caso de ser trabalhador por conta de outrem) para esse fim exclusivo.
A solidariedade que os aposentados e reformados devem à sociedade, não cessa, porém, com essa situação. Ela continua a exprimir-se através dos impostos a que os aposentados e reformados estão sujeitos, em sede de IRS e noutras sedes (Imposto de circulação, IMI, etc), como todas as outras pessoas detentoras de rendimentos suficientes para serem taxadas. Já vimos, no ponto 5, o que o futuro nos reserva neste capítulo, se a redução da progressividade dos escalões de IRS não for declarada inconstitucional. Seja como for, os cortes nas pensões descritos no ponto 2 deste texto e a chamada “CES” não são, porém, um imposto. São, sim, e tão somente, um expediente ilegal e inconstitucional formatado especificamente para confiscar aos aposentados e reformados uma parte substancial dos suas pensões.
Hélder Rosalino zomba da legalidade do nosso Estado de direito democrático, ao afirmar que os aposentados e reformados são “beneficiados” em relação aos funcionários públicos, porque podem, segundo o seu alto critério, deduzir em sede de IRS a sua “CES”, coisa que aqueles não poderiam. Mas toda a gente sabe que essa pretensa benesse equivaleria a mais uma ilegalidade a somar às outras que o governo comete.
Hélder Rosalino zomba também das leis em vigor ao fingir ignorar que os chamados subsídios de férias e de Natal, em vigor desde Agosto de 1974, são parte integrante da remuneração de base anual que é paga em 14 mensalidades (art. 70º, nº3, da lei nº12-A/2008) aos trabalhadores no activo — e não em duodécimos. Daí que seja 14, e não 12, o número das pensões mensais a que têm direito, anualmente, os aposentados que descontaram sobre 14 salários por ano. Em violação dessa lei, o governo corta uma parte substancial da 13ª pensão mensal e pretende pagar a 14ª em duodécimos.
Por último, convém notar que Hélder Rosalino e uma parte, pelo menos, dos seus colegas de governo, escarnecem dos seus antepassados políticos. O decreto-lei nº 465/80, promulgado em 10 de Outubro de 1980, declara no seu artigo 17º: «Os subsídios de Natal e de férias são inalienáveis e impenhoráveis». Para quem não saiba, este decreto-lei foi proposto pelo primeiro ministro de então, Francisco Sá Carneiro, fundador do partido que é o esteio principal do governo actual.
José Manuel Catarino Soares (funcionário público aposentado)