“Os brandos costumes têm limites”

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Num país como o nosso, onde os «brandos costumes» imperam, onde o bom senso, a paciência, a capacidade de encaixe, a resiliência fazem parte do perfil psicológico coletivo, a vida decorre com alguma calma, sem grandes sobressaltos, ao contrário de outros países, como Espanha ou França, só para citar exemplos próximos, na Europa, em que as pessoas se manifestam publicamente, quando há algo com que não concordam, quando há algo que querem defender, quando há algum objetivo que pretendem atingir, quando sentem ser seu dever, enquanto cidadãos, demonstrar o que pensam.

Eduardo Lourenço, num magnífico ensaio sobre Portugal, a portugalidade e o que nos distingue enquanto povo, tema sobre o qual muito refletiu, intitulado O Labirinto da Saudade, afirma que o Estado Novo mais não fez que aproveitar o «irrealismo de fundo do seu povo que foi educado na crendice, no milagrismo, no messianismo de pacotilha». Que verdade tão bem descrita…!

Ora, a História de Portugal, salvo algumas, raras, exceções, é passado sem grandes sobressaltos nem grandes inquietações ou desassossegos coletivos. Parece que tudo nos passa ao lado, como se não fossem as nossas vidas a estar em causa, como se apenas assistíssemos a um filme cujos protagonistas eram outros.

Mas, como é afirmado nesta frase, pintada junto do elevador do Lavra, há limites para esta passividade coletiva, esta «inata ou histórica paciência diante da adversidade, a infinita resignação»; há limites para esta espécie de individualismo e egocentrismo, que leva a que a maioria das pessoas se centre na sua própria vida e na da sua família, não se questionando sobre o papel que pode ter na defesa de um bem coletivo que a todos beneficie, na certeza de um futuro conjunto melhor.

Há, frequentemente, nas palavras de ordem grafitadas na rua um apelo à mobilização contra o abuso político, social ou moral dos que mais podem contra os que, frequentemente, são vistos como mais fracos ou que se veem a si próprios como menos aptos a participar nas decisões coletivas. E a apatia eleitoral é um mero exemplo, bem conhecido, que revolta e que, de todo, não dignifica aqueles que tiveram a coragem de sair do seu «conforto» (quando, na realidade, não havia conforto…) e tomaram posição para lutar pelos direitos de que hoje, tão egoistamente, usufruímos.

Está na hora de, usando as palavras de Natália Correia, furiosa e determinadamente sermos «o animal que espeta os cornos no destino». Está na hora de não deixarmos passar incólumes as afrontas coletivas com que nos deparamos, como se nada nos dissesse respeito. É tempo de acordar!

Maria Eugénia Leitão
jornal Sol 06.10.2016