O plafonamento contributivo, velha bandeira da ala neo-liberal portuguesa, está de volta. Esteve no programa do governo atual, esteve no famoso Guião da Reforma do Estado e ainda ontem apareceu no programa eleitoral da coligação PAF:
E também aparece, ainda que sob diferente forma, no programa do PS:
Há diferenças abissais entre ambas as propostas, convenhamos.
O plafonamento à moda PAF:
- É do tipo horizontal (incide apenas sobre uma parte do mercado de trabalho, ao isentar os trabalhadores mais ricos de contribuir ou ao “autorizar quem tem mais a fugir à Segurança Social”, como bem o coloca hoje o Rui C. Branco)
- Só se aplica aos novos trabalhadores.
- Tem por propósito a privatização de parte da Segurança Social.
- A contrapartida financeira está no futuro, isto é, na poupança com as pensões mais baixas que estes trabalhadores terão daqui… a 40 anos.
- É do tipo vertical (incide sobre todos os trabalhadores)
- Aplica-se aos atuais e futuros trabalhadores, mas tem, aparentemente, uma duração limitada no tempo.
- Tem por propósito, alegadamente, o aumento da liquidez das famílias, como fator de crescimento do consumo privado.
- A contrapartida financeira estará nos OEs atuais (ainda que a proposta do grupo dos economistas falasse também em redução das pensões futuras…) – curiosamente, em 2010, Passos Coelho defendia uma reforma paga por dívida pública e aplicável a todos os trabalhadores.
Primeiro, a compensação da redução da receita, isto é, a redução da despesa em pensões, só se sentirá no futuro, na altura em que estes trabalhadores se reformarem — daqui a 40 anos, no plafonamento PAF –, ao passo que a redução na receita com as contribuições dos ativos começará a sentir-se desde já, o que imporia um fator de desequilíbrio adicional significativo às contas da Segurança Social. Até parece que estas já não estavam suficientemente fragilizadas.
Segundo, a introdução de um plafonamento deita por terra os fundamentos de solidariedade intergeracional de um sistema de repartição como aquele em que assenta o sistema português. Por outras palavras, as novas gerações (plafonamento PAF) ou as atuais (plafonamento PS) passam a contribuir menos para as prestações dos seus pensionistas contemporâneos.
Terceiro, não menos importante e vulgarmente esquecido nas discussões, talvez por se tratar de um aspeto de ordem mais técnica — o plafonamento — principalmente a versão PAF — pressupõe redução de receita que está longe, muito longe, de ser compensada com poupanças de despesa. Esqueçamos a dilação no tempo de que falava acima. Mesmo que o abalo e a contrapartida do abalo fossem simultâneos, a desproporção entre um e outro é evidente e é sinónimo de prejuízo óbvio. O nosso sistema de Segurança Social é progressivo. Quer isto dizer, basicamente, que salários mais elevados dão origem a pensões mais altas, naturalmente, mas proporcionalmente menos altas… Na atual fórmula de cálculo de pensões, isto acontece porque a taxa de formação das remunerações decresce em função do nível das mesmas e também porque há um limite máximo (12 IAS) para o valor de uma nova pensão. Se quisermos, o sistema obtém “poupanças” nas pensões mais elevadas. Mas talvez não devamos só falar em pensões, ainda que não saibamos que impacto vão ter estas promessas de plafonamentos em outras prestações. O subsídio de desemprego, por exemplo, está limitado a 2,5 IAS (pouco mais de 1000 euros). O desempregado podia receber 5000 euros mensais ou podia receber 20 mil euros, que iria receber de subsídio sempre o mesmo, ou seja, o limite máximo. Será que quando tiver as contribuições plafonadas vai pagar menos contribuições e poder receber o mesmo subsídio? Vai pagar menos para receber uma pensão parecida?
Que ganha Segurança Social, que ganham as pessoas?