Os ricos não pagam a crise

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Se os “arquivos” que consultei estiverem corretos, foi na década de 70, era a democracia uma criança e a classe média incipiente, que Acácio Barreiros, líder da UDP, celebrizou um daqueles slogans que ficaram gravados na memória e pichados nas paredes: “Os ricos que paguem a crise!”. O sobressalto revolucionário não pegou. Aliás, não passou muito tempo e o país já estava sob tutela do FMI, pagando (sobretudo os muitos pobres e os poucos remediados que havia naquele tempo) os desvarios de uma inexperiente classe política. As famílias, os industriais e os banqueiros, ou seja, os ricos, salvaram, como sempre, as mobílias a tempo.

Quatro décadas depois, está quase tudo na mesma. Voltamos a estar sob tutela do FMI. Voltamos a pagar os desvarios de políticos (já não por inexperiência, mas por incompetência). Voltamos a pedir que os ricos paguem a crise, ou pelo menos parte dela. E voltamos a confirmar que os ricos, alguns deles pela segunda vez, escapam incólumes, uns porque sediaram as suas empresas e rendas em paraísos fiscais respeitáveis, como a Holanda ou o Luxemburgo, outros porque transferiram sem pudor centenas de milhões para paraísos fiscais suspeitos, mas igualmente à prova de bala.

A única originalidade do presente cabe à atual ministra das Finanças. Diz Maria Luís que o Governo tem como objetivo “proteger os que têm menos” e para isso tem de ir buscar dinheiro a algum lado. Como “não há muitos ricos em Portugal”, a “grande sacrificada” é a classe média. Já se tinha percebido. Mas, a julgar pelos resultados, a estratégia limitou-se a aprofundar a tragédia. Não só os pobres não saíram da pobreza (lá se foi o ideal de proteger os que têm menos), como há cada vez mais pobres (o que quer dizer que o sacrifício aplicado à classe média foi empurrá-la para a classe dos pobres). Nunca, nos últimos anos, houve tantos pobres (quase dois milhões de portugueses), como nunca houve tantos ricos. De um ano para o outro, o número de milionários passou de 65 mil para 75 mil. Têm sorte, são poucos, estão fora do radar da ministra.

RAFAEL BARBOSA
Opinião DN, 13.11.14