É injusto limitarmo-nos aos indicadores macroeconómicos mais comuns para aferirmos os sucessos deste governo
Neste momento, essa máquina de propaganda está apostada em contar uma história: o governo reivindica como sucesso seu a retoma recente do PIB e do emprego, mas enjeita qualquer responsabilidade pela contracção da economia e do emprego ao longo da primeira metade da legislatura.
Contar a história desta maneira requer que se enfatize a trajectória recente, especialmente o crescimento do PIB e do emprego nos últimos cinco ou seis trimestres, em detrimento do desempenho global alcançado durante a legislatura. Pois dá-se o caso – ainda que, sob tanta propaganda, isso nem sempre seja recordado – do PIB trimestral estar ainda cerca de 4% abaixo do que sucedia quando o governo entrou em funções. E dá-se também o caso do volume de emprego ser inferior em cerca de 220.000 postos de trabalho face a Junho de 2011. Aquilo que tantos comentadores e apaniguados louvam como inquestionável sinal de sucesso – “o PIB está a crescer” – não é mais do que uma incompleta recuperação de parte do que foi destruído por este mesmo governo.
A coligação governamental, dando mostras de sagacidade política, soube sempre que teria vantagem em concentrar a austeridade na primeira metade da legislatura de modo a concentrar temporalmente a dinâmica recessiva e permitir alguma recuperação quando se aproximassem as eleições.
Fazê-lo implicou uma série de volte-faces. O aumento do salário mínimo, diabolizado pelo governo no inicio da legislatura como destruidor de emprego, passou entretanto a “desejável”. No início da legislatura, saudava-se como sucesso a eliminação do défice externo mesmo quando essa eliminação era um mero efeito colateral da recessão; no final da legislatura, saúda-se como sucesso o crescimento económico mesmo quando acompanhado pelo regresso do défice externo. Também nisto a coligação dá provas de sagacidade política: dada a relativa impermanência da memória no debate público, a coerência é um valor relativamente secundário em política. Contam menos a a realidade, a consistência lógica ou a racionalidade do que as aparências, o spin e as emoções.
Para não falar do malabarismo extraordinário que é necessário para qualificar como “ajustamento” um período de quatro anos em que a dívida pública passou de 108% para 130% do PIB e a dívida externa líquida passou de 83% para 104% do PIB. Ao fim destes quatro anos, exactamente que parte destes dois desequilíbrios macroeconómicos fundamentais é que foi “ajustada”?
E note-se que o governo até tem tido do seu lado uma conjuntura singularmente favorável em pelo menos três vertentes: a baixa histórica das taxas de juro a nível mundial, a depreciação do euro e a queda do preço do petróleo. Pois mesmo com estas ajudas extraordinárias, o sucesso macroeconómico do governo pode medir-se pelo emprego e pelo produto muito abaixo, e pelas dívidas pública e externa muito acima, do que era o caso quando entraram em funções.
Mas seria injusto e incompleto limitar a análise do desempenho do governo aos aspectos estritamente macroeconómicos. Há toda uma panóplia de transformações estruturais da economia portuguesa que se escondem por detrás dos indicadores mais comuns – e o governo tem procedido a uma série delas. Há a privatização, em geral por montantes irrisórios, da quase totalidade do que restava do sector empresarial do estado. Há a redução significativa da cobertura de apoios sociais como o rendimento social de inserção ou o complemento solidário para idosos. Há a redução de 46% para 43% da parte dos salários no rendimento nacional, em detrimento dos rendimentos de capital. Há a quase eliminação dos contratos colectivos de trabalho. Há o aumento, de 11% para 20%, da proporção dos trabalhadores que auferem o salário mínimo.
Houve, em suma, um aproveitamento magistral destes quatro anos para desvalorizar e precarizar o trabalho, para abrir novas esferas de actividade à acumulação privada e para transformar Portugal numa sociedade menos justa, menos solidária e mais desigual.
Foram esses os grandes sucessos deste governo. Infelizmente, para mal da maioria de nós.
Alexandre Abreu