Pensões: resistir ao afundamento

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Está em curso uma lavagem ao cérebro dos portugueses para que interiorizem o discurso neoliberal sobre as pensões. O objectivo é quebrar a resistência ao afundamento, por etapas, do sistema de segurança social que construímos após o 25 de Abril, com o pretexto de que já não é sustentável. Na verdade, esse discurso é uma verdadeira fraude intelectual, que já perdeu todos os debates travados no plano académico (ver Peter Orzag e Joseph Stiglitz, “Rethinking Pension Reform: Ten Myths about Social Security Systems”, 1999). Mas sobrevive porque serve os interesses do sistema financeiro e porque os fanáticos do neoliberalismo são imunes à argumentação e à evidência histórica.

Primeiro, importa lembrar que o sistema de repartição, de base salarial, instituído no pós-Guerra na Europa, é um contrato entre gerações garantido pelo Estado. Os pensionistas recebem transferências dos seus contemporâneos que fazem contribuições. A legitimidade deste direito social – não é um direito de propriedade sobre as contribuições do próprio – foi constituída através das pensões que o actual pensionista ajudou a pagar à geração anterior quando trabalhou. É este princípio de solidariedade entre gerações sucessivas que motiva a guerra neoliberal às pensões. Ele representa um modelo de sociedade que se opõe ao modelo das organizações internacionais: “Cada um por si, e uma pensão básica para os pobres.”

Em segundo lugar, a legitimidade das pensões contributivas não se afere pelo seu impacto na redução da pobreza, embora também possam contribuir para esse objectivo. Para isso há outras políticas sociais. Quem insiste nessa ideia, esquecendo que o objectivo das pensões é manter o nível de vida, é porque já desistiu de prevenir a pobreza, bem como as desigualdades, no terreno adequado: política económica de pleno emprego, contratação colectiva forte, impostos fortemente progressivos, combate à evasão fiscal através do sistema financeiro.

Em terceiro lugar, é uma manipulação grosseira dizer que o nosso modelo de segurança social é insustentável. Aliás, se em 2012 ocorreu um défice no sistema da segurança social, ele foi induzido pela desastrada e desastrosa política de austeridade. Pelo contrário, o sistema tem acumulado excedentes num fundo de estabilização que nunca foi usado para o fim previsto. É portanto falso que a segurança social estava a caminhar para o abismo e que em 2011 não havia dinheiro para pagar as pensões. Como também é falso que o envelhecimento da população põe em causa a sustentabilidade do nosso sistema de segurança social. De facto, a pressão do envelhecimento leva tempo a fazer-se sentir e a sua intensidade não só pode vir a ser bem menor do que se pensa – depende das políticas económicas e sociais que forem adoptadas – como tem sido mais que contrabalançada pelo crescimento da produtividade na economia. A retórica do envelhecimento, estimulada por Bruxelas, lança uma cortina de fumo sobre as consequências nefastas da política económica imposta à periferia da UE, o desemprego em massa e a consequente degradação das contas da segurança social.

O governo actual não fará mais do que aprofundar e tornar mais consistente o caminho aberto pelo PS com a reforma de 2007. Desde então, abandonou o objectivo da manutenção do nível de vida do trabalhador (ligação da pensão aos últimos salários) e, em linha com a orientação neoliberal da UE, ligou as pensões à evolução da esperança de vida. Agora trata-se de ir mais longe e mais fundo: amarrar as pensões a uma economia em austeridade perpétua.

Para vencer esta guerra ideológica e política, a esquerda deve lembrar os avanços sociais do pós-25 de Abril e dizer, com a convicção de quem sabe do que fala, o que infelizmente nem sempre acontece, que os cortes nas pensões serão anulados porque o sistema é viável e central no processo de desenvolvimento do país. Mais, para ser consequente e credível, deve propor-se recuperar a soberania sobre a política económica que nos permitirá aproximar do pleno emprego, um pilar do Estado social frequentemente esquecido.

Jorge Bateira
Opinião i 17/04/2014