Por eles e por nós

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A única certeza que temos quando nos propomos escrever sobre atos terroristas é a de que não será a última vez. Qualquer que seja a geografia, a hora do dia, a motivação ideológica, o número de vítimas ou o alvo preferencial, haverá sempre uma dimensão tão esmagadora de imprevisibilidade e ausência de lógica nestes ataques cobardes que tudo o que possamos dizer ecoará, irremediavelmente, como uma torrente estéril de palavras. Porém, a nossa incapacidade para responder a esta arbitrariedade desumana, por mais musculada que seja a guarda policial, não deve fazer-nos desviar do essencial.

Porque a escalada de terror será tão mais expressiva e eficaz quanto maiores alterações provocar na forma como vivemos e nos relacionamos em sociedades livres e democráticas. Sim, a nossa resposta só pode ser uma, por mais romântica que se nos afigure: a normalidade. Todos os dias.

Infelizmente, e pese embora o assinalável número de ações terroristas que, na Europa e no resto do Mundo, têm vindo a ser evitadas pelas autoridades policiais, esta é uma guerra que estamos condenados a perder. Constatá-lo não implica desistir de punir os culpados, exigindo ao poder político que aperte a malha, dotando de mais meios as estruturas de vigilância e de contraterrorismo. Para passarmos a colocar mais algemas nos malparidos vivos e menos fitas delimitadoras nos locais onde tapam os mortos. Mas as evidências são o que são. E o terrorismo não se compadece com respostas à la carte. Vamos continuar a viajar, a frequentar museus, a assistir a espetáculos musicais. A ter uma vida. Só pode ser assim.

Todavia, a bárbara investida de Manchester revelou uma faceta ainda mais refinada do mal, ao atingir os mais desprotegidos entre nós: as crianças. Não é a primeira vez que o terrorismo as escolhe para cumprir esse insondável desígnio de conquista civilizacional através do medo (basta lembrar o violentíssimo ataque ocorrido num parque infantil do Paquistão, na Páscoa, que vitimou 29 menores), mas é a primeira vez que essa espada envenenada pende sobre as cabeças pueris do Ocidente. Crianças e jovens que abandonavam, entusiasmados, um concerto de música pop, alguns acompanhados dos pais, outros à procura deles para lhes contarem tudo no regresso a casa. Uma crueldade em cima de outra crueldade.

O medo de um adulto não se compara ao medo que um adulto sente quando o perigo ronda os filhos. A missão deste ataque terá sido essa: a de cultivar no nosso espírito esse fator acrescido de descontrolo emocional. O que faz um pai perante isto? Resiste. Por ele e pelos filhos. E essa enorme demonstração de humanidade nem o mais empedernido terrorista consegue vencer.

Pedro Ivo Carvalho