É da lenda que, ao rolar pelo chão a cabeça de Bárbara, ribombou um imenso trovão que fez estremecer os céus. E que um relâmpago flamejou pelos ares e atirou por terra o corpo já sem vida do carrasco, o próprio pai daquela que elevámos ao altar dos santos para nos proteger das tempestades, a padroeira de artilheiros, mineiros e todos aqueles que mexem com o fogo.
Santa Bárbara os ilumine, aos dirigentes de 195 países que, a partir de amanhã e nas próximas duas semanas, se reúnem para a Conferência Mundial do Clima. Sobre Paris, que os acolhe, pairam duas nuvens bem negras: a da insegurança, depois dos atentados, e estoutra, mais ameaçadora e de efeito global, a que resulta das profundas alterações climáticas geradas pelo crescendo de emissões de gases poluentes com efeito de estufa, que estão a provocar o rápido aquecimento do planeta que partilhamos.
O objetivo da conferência é vincular os países a compromissos que permitam reduzir as suas emissões e controlar o aquecimento global, responsável por fenómenos extremos que vão desde os ciclones, a inundações, a secas mais prolongadas e outros desastres climáticos que ameaçam a segurança alimentar e, em geral, toda a humanidade.
Idêntica cimeira, a de Quioto, foi em 1997. Mas, de lá para cá, os principais agentes poluidores andaram a brincar com o fogo. Perdeu-se tempo e a margem reduziu-se. A manter-se o atual ritmo de emissões, chegaríamos ao fim deste século com um aumento próximo dos cinco graus na temperatura média global.
Acendem-se as luzes vermelhas de aviso, e até o mundo económico dos poderosos acorda para essa nova perceção de que só haverá economia… se houver Mundo. O prenúncio de catástrofes de dimensão apocalíptica deixou de ser ficção e pode estar à distância de duas, três gerações.
De Quioto a Paris, vale a diferença de que as potências industriais mais poluidoras, China e Estados Unidos, trazem agora propostas concretas para reduzir as suas emissões, entre 40 e 70%, de forma a que os nossos filhos e netos cheguem a 2050 com um aquecimento médio da temperatura global que não ultrapasse os dois graus.
Há bons sinais. Depois de uma encíclica histórica sobre o ambiente e as alterações climáticas, o Papa voltou esta semana a apelar à reflorestação e à aposta nas energias renováveis e não poluidoras, porque o clima é um bem de todos. E até Obama alcançou um acordo com 81 multinacionais americanas que se comprometem a reduzir as suas emissões poluentes. Entre elas, porém, não está nenhuma empresa petrolífera. Nem rasto da Santa.
Afonso Camões
Opinião JN 29.11.2015