Não sei qual será, neste momento, o recordista, mas recentemente era um cidadão de uma cidade do Alentejo, que o INEM já tinha levado 438 vezes à Urgência do respetivo hospital. Era doente, sim, mas vivia sozinho e só quando lhe resolveram o problema social finalmente deixou de telefonar ao INEM. Quase todos os dias recorria à Urgência por “falta de ar” e para comer qualquer coisa…
Este caso extremo ilustra como os serviços de saúde são utilizados para compensar as deficiências nos apoios sociais.
No Reino Unido estimou-se que cerca de 20% dos doentes que recorrem a um centro de saúde têm primariamente um problema social e a Comissão Low reportou que 15% das consultas nos Cuidados de Saúde Primários visavam aconselhamento sobre questões sociais. Michael Marmot concluiu que 70% dos resultados em Saúde são determinados por fatores sociais e apenas 30% pela intervenção médica.
Há um real gradiente na saúde das pessoas que é determinado pelas desigualdades sociais, com enormes custos sociais e humanos. A somar às milionárias perdas em dias de trabalho e em impostos, calcula-se que estas desigualdades custem à Saúde, no Reino Unido, mais de 5,5 mil milhões de libras por ano. Portugal, infelizmente, ao invés de reduzir, tem vindo a agravar as desigualdades sociais. A falta de financiamento, apoios, articulação, suportes e recursos humanos na área social é cada vez mais chocante. Haverá agora uma inversão desta tendência?
Em janeiro deste ano foi publicado um importante relatório sobre Prescrição Social, o “Report of the inaugural Social Prescribing Network Conference, January 2016”. Nesta conferência ensaiou-se uma definição de “prescrição social”: um meio de possibilitar aos médicos de família e outros profissionais de Saúde a referenciação dos utentes a um profissional (assistente social?) que mantenha uma conversa “olhos nos olhos” durante a qual os utentes possam conhecer e aprender as diferentes possibilidades e recursos para os seus problemas e eles próprios coproduzir a sua “prescrição social”, de forma a que as pessoas com necessidades sociais, emocionais ou práticas sejam informadas, ajudadas e fortalecidas para encontrar soluções concretas que possam melhorar a sua saúde e bem-estar, frequentemente usando serviços providenciados pelo setor comunitário (social) e voluntariado (cuidadores informais?), assim haja uma rede de estruturas capazes.
Instituir formalmente o conceito da “prescrição social” permitirá separar as questões da saúde dos problemas sociais, identificar e individualizar melhor os problemas reais das pessoas, encontrar soluções efetivas para os mesmos e evitar uma sobrecarga de uso e despesa para os serviços de saúde.
José Manuel Silva
Opinião JN 01.04.2016