Produtividade e salários

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Não é difícil adivinhar que o debate em torno do Orçamento do Estado será bastante constrangido pelo peso da dívida e pelo espartilho das regras orçamentais da União Europeia (UE), que restringem a capacidade de recuperação do investimento e a implementação de serviços públicos de qualidade. Tal constatação desafia o Governo a procurar argumentos e propostas que se distanciem dos fundamentalismos da UE. Por outro lado, confirma a necessidade de tornar a questão da dívida num tema constante da agenda política. Em Portugal ele deve ser persistentemente estudado e polemizado de forma dinâmica e ativa.

Há, entretanto, neste tempo de debate orçamental, outras sombras preocupantes a necessitarem de mais exposição e debate.

Congratulamo-nos com os números do crescimento económico e do emprego, mas interrogamo-nos pouco acerca do tipo de crescimento e de emprego criado. Tudo indica que a recuperação da atividade económica e do emprego está a ser acompanhada por uma significativa alteração da estrutura da economia. O peso de setores de baixa produtividade e baixos salários (agricultura, serviços às empresas, alojamento, restauração, etc.) no emprego e no produto está a reforçar-se. Em consequência, não obstante o aumento da produtividade noutros setores, nomeadamente na indústria, a produtividade agregada, ou seja, a produtividade média observada no conjunto dos setores de atividade privada estagnou. Este facto ajuda a perceber a razão pela qual o ritmo de crescimento do emprego é superior ao ritmo de crescimento do produto e porque os salários, em média, se mantêm estagnados.

Este padrão de crescimento intensivo em trabalho mal remunerado é alimentado, fundamentalmente:

  •  i) pelo desemprego que se mantém elevado; 
  • ii) pela reconfiguração regressiva das instituições que enquadram as relações de trabalho, desde logo a imposição de um quadro legislativo que fragilizou os trabalhadores e diminuiu e empobreceu a negociação coletiva; 
  • iii) por impactos decorrentes de manipulações e práticas perversas presentes nos processos migratórios.

A promoção de políticas económicas que assentam o seu êxito na desvalorização salarial – opção muito implementada com a troika – é um rumo desastroso e os seus frutos aí estão: a economia portuguesa com uma estrutura que reforça o emprego mal remunerado e acentua a sua especialização em atividades de baixo valor acrescentado.

Um país que emprega apenas quem não tem alternativa senão aceitar um salário de subsistência, ou até menos, é um país destinado a expulsar os cidadãos com qualificações internacionalmente valorizadas e a substituí-los por “mão de obra importada” de países onde as pessoas vivem em pobreza absoluta. Portugal precisa dos seus trabalhadores qualificados e vai precisar de acolher com trabalho digno os seus imigrantes. Portugal tem de ir dispensando os “empresários de êxito” que vivem da exploração desenfreada de quem trabalha.

Se a baixa produtividade é um grave problema para o país, e sem dúvida é, então haja objetividade e seriedade, desde logo por parte dos empresários, na abordagem do problema. Não se pode defender a desvalorização salarial em nome do aumento da competitividade, sabendo que se está a agravar a baixa produtividade e depois invocar essa baixa produtividade para atacar os direitos dos trabalhadores e impedir a melhoria de salários. Está provado até à exaustão que o desemprego e o emprego mal remunerado são os maiores inimigos da inovação, no plano tecnológico, na organização do trabalho e nas práticas de gestão.

Portugal precisa de valorização do trabalho, envolvendo não só o salário, mas também outras condições de trabalho. Diz-se que as empresas fogem e provocam destruição de emprego se não tiverem apoios e incentivos. Pois bem, o mesmo acontece com as pessoas, a começar pelos mais qualificados, se não lhe reconhecermos direitos, valorização profissional e remuneração digna.

O aumento da produtividade, crucial para tornar sustentável o crescimento, depende hoje, em grande medida, de políticas que valorizem os salários, na certeza que a sua implementação irá desencadear polémicos, mas indispensáveis, debates sobre problemas que lhes estão a montante e a jusante.

Manuel Carvalho da Silva
Investigador e Professor Universitário
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