Que nem pirata

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Passos Coelho, com a sua pala ideológica, só consegue ver muito à direita e não enxerga nada do que transformou o Mundo depois da II Guerra Mundial. O seu Governo é o campeão do desvio de rendimentos do trabalho para o capital e da criação de mecanismos – onde se incluíram importantes alterações aos processos e condições da prestação e organização do trabalho – que, em nome do combate à dívida “pública”, têm servido para transferir e concentrar riqueza. Não contente com a sua “obra”, coloca ainda hoje a redução dos custos de trabalho como a grande questão para “conseguirmos ser mais atrativos para o investimento”.

O desprezo pelo desenvolvimento conseguido na sociedade portuguesa, a obsessão ideológica, a negação da memória histórica e o atrevimento tão típico da ignorância, convergem na estruturação das receitas deste primeiro-ministro, que contribuiu significativamente para pôr em marcha um processo de retrocesso social e civilizacional no nosso país.

Jamais teremos uma sociedade desenvolvida com salários e pensões espremidos até ao nível da pobreza, com cortes nos direitos sociais que colocam grande parte dos portugueses em condições de miséria. Os custos do trabalho são uma gota no conjunto dos fatores que pesam na produtividade das empresas portuguesas e na saúde da economia. Não são eles que impedem o país de se desenvolver e ser “competitivo”. Os fatores mais determinantes para a produtividade são: a existência de uma matriz de desenvolvimento que seja atrativa e desafiante para o comum dos empresários e não para os especuladores e oportunistas (portugueses e estrangeiros); a qualidade da gestão; a existência de qualificações dos trabalhadores e dos patrões; o investimento na investigação, na ciência e na tecnologia; poder de compra generalizado entre a população; acesso ao crédito em condições aceitáveis; diminuição dos chamados custos de contexto; existência de uma Administração Pública eficaz e de um poder político “limpo” e empenhado no interesse nacional e não na sujeição aos mercados e às relações promíscuas entre interesses privados e interesse público.

O FMI no seu relatório de 16 de março escreve “a produtividade dos trabalhadores, sobretudo os menos qualificados, depende também das qualificações dos gestores. Deve-se, portanto, rever a eficácia e amplitude dos programas para promover as competências de gestão em Portugal”. Posteriormente, o governador do Banco de Portugal também veio colocar o dedo nesta ferida e alguns órgãos de Comunicação Social têm feito a abordagem do problema, também a partir de estudos internacionais.

O FMI e o Governo já sabiam deste défice quando estabeleceram e aplicaram o memorando. Por que não o realçaram com o mesmo fervor com que se atiraram aos salários, às pensões, aos direitos dos trabalhadores? Porquê o primeiro-ministro continua na sua obsessão contra os custos do trabalho, de onde só pode resultar mais penalizações para os trabalhadores?

Quanto mais precário e instável for o trabalho e mais baixa a exigência de qualificações dos trabalhadores; quanto mais reduzido for o nível de formação de patrões e gestores e estes tiverem de decidir em contexto de inseguranças e fragilidades, menos possibilidades teremos de nos tornar mais produtivos. Por outro lado, a efetividade dos direitos no trabalho e a existência de relações de poder equilibradas entre trabalhadores e patrões são determinantes para moldar a valorização que se atribui ao trabalho, para garantir emprego, e ainda para definir o sentido concreto do desenvolvimento económico, social, cultural e político de uma sociedade.

Já chega de chantagens e maldades sobre os trabalhadores. Precisamos, é certo, de melhorar o nível de gestão, mas talvez sejam mais perniciosas as “excecionais” capacidades dos Zeinal Bava que atuam neste país do que as fragilidades e falta de motivação (que são reais) para inovar e aprender de muitos pequenos patrões, inseridos numa economia e sociedade tolhidos por uma austeridade sem sentido.

O tempo que vivemos sem dúvida exige aprendizagens no trabalho, desde logo aos gestores, mas também nos desafia a trabalhar outros rumos e compromissos de desenvolvimento e a encontrar governantes sérios e capazes.

Carvalho da Silva
Opinião JN 12.04.2015