À medida que os dias passam vão-se descobrindo as carecas, e são várias, do anterior governo. Dir-se-á que é sempre assim, de cada vez que os atores rodam as surpresas aparecem porque há sempre quem abra a boca de espanto como desculpa para não cumprir aquilo que prometeu de cada vez que chega a São Bento.
O problema é que, desta vez, o tempo foi demasiado curto e o cadastro político é demasiado longo. Se recuarmos a 2011 lembramo-nos com facilidade das promessas feitas em campanha apesar dos dias do resgate. Uma vez ganhas as eleições à custa de juras e palavras de honra, foi aquilo que sabemos. Aumentaram-se impostos, cortaram-se salários e pensões, despediram-se funcionários, insultaram-se desempregados a quem chamaram piegas e empurrou-se gente borda fora do país porque era preciso sair da zona de conforto. Tudo em nome de um “desvio colossal” nas contas públicas e de imprevistos que estavam previstos e eram por demais conhecidos.
Cumprida a tarefa da legislatura, voltámos à feira eleitoral. E os mesmos de 2011 apresentaram-se com votos renovados e compromissos frescos. Que a economia estava a crescer como nunca e que estávamos no bom caminho para entrar no clube dos mais competitivos do mundo; que os cofres estavam cada vez mais cheios, o que nos permitiria enfrentar qualquer adversidade imponderada; que a meta do défice nos 2,7% era irrevogavelmente para cumprir; que a sobretaxa do IRS, a uma semana das eleições, era para devolver em 35%.
Findo o mercado do voto e ganhas as eleições em minoria – é certo que os foguetes foram lançados antes da festa -, tudo mudou e o logro veio ao de cima como o azeite. Os resultados ainda estavam quentes e já o crédito fiscal estava reduzido a menos de 10% e pouco faltava para chegar a zero. A economia viçosa e de fazer inveja está afinal estagnada, de acordo com os últimos dados conhecidos. E há dois dias confirmámos através da Unidade Técnica de Apoio Orçamental aquilo que já suspeitávamos ser a realidade: os cofres estão vazios e a meta do défice em que só o governo PSD-CDS acreditava é cada vez mais uma miragem. Isto para não falar das mentiras aos contribuintes sobre o Novo Banco ou da bizarra venda da TAP com nacionalização da dívida e do risco.
Pedro Passos Coelho, que não sei se por ressentimento ou má consciência se nega a referir-se a António Costa como primeiro-ministro, prefere a fórmula “o governo e o seu chefe” como se estivesse a falar de uma quadrilha ou de um gangue – insiste, apesar do lamentável currículo e de as evidências lhe caírem em cima, em alimentar a tese de “fraude eleitoral” e, com o ar mais cândido que consegue mostrar, dá conselhos a quem cabe agora a governação dizendo que, apesar de todo este legado, “está tudo bem”.
A falta de vergonha tem de ter limites. E não, o problema não é de défice de legitimidade para criticar a conduta do agora primeiro-ministro nos dias que se seguiram às eleições. É normal e natural que, tendo liderado a força mais votada nas legislativas de 4 de outubro, Pedro Passos Coelho tivesse a aspiração de governar. Mas para isso tinha de ter sido capaz de garantir um apoio que, manifestamente, não assegurou. O que é intolerável é que um ex-chefe de governo seja incapaz de reconhecer que falhou apesar de todos os avisos que chegavam de Portugal e da Europa. E que persista na conduta imprópria da mentira reiterada como se não soubesse o verdadeiro significado da palavra fraude.
Mas, enfim, quem torto foi no governo tarde ou nunca se endireita na oposição.
Nuno Saraiva
Opinião DN 06.12.2015