Regras

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Por melhor estudadas que sejam as regras, não é possível encaixar a enorme riqueza de opções que um país pode ter à sua frente dentro do âmbito de aplicação dessas regras. A governação por regras só é desejável para quem queira impor um pensamento político único a comunidades muito diferenciadas.

Pode um país ser governado por regras?

A questão pode pôr-se de outra forma. Será que a Política se pode reduzir à aplicação de normas e regulamentos?

Se tal for possível, há sem dúvida vantagens: a governação passa a ser muito mais previsível, os governados sabem com o que é que devem contar, torna-se mais difícil fazer promessas eleitorais que não se cumprem, etc.

Mas o problema é que não é possível. Nenhum país pode ser governado só por regras, e ainda bem.

Há uma razão básica para essa impossibilidade. É que, por melhor estudadas que sejam as regras, não é possível encaixar a enorme riqueza de opções que um país pode ter à sua frente dentro do âmbito de aplicação dessas regras. A governação por regras só é desejável para quem queira impor um pensamento político único a comunidades muito diferenciadas.

Vem tudo isto a propósito da tendência, que se tem efectivado a um ritmo vertiginoso, desde que o Tratado de Lisboa quase eliminou as votações por unanimidade, da União Europeia impor, por pressão dos países mais poderosos, regras de governação aos estados membros. E não é só na política orçamental. Nos mais diversos domínios, poder-se-ia caracterizar hoje a União da seguinte forma: é um espaço que impõe aos estados uma teia asfixiante de normas e restrições e também de multas para quem as não cumprir.

Compreende-se que um espaço que pretende incentivar a cooperação entre estados soberanos defina algumas regras que os estados têm de cumprir. Mas o que desde há alguns anos se está a passar na União não é nada disto. Tem, antes, a ver com a tentativa de governar de forma indirecta os estados mais vulneráveis.

Porque esta evolução vem de par com uma ideia – das mais perigosas que hoje infectam a União – que mais ou menos abertamente tem sido propalada pelas instituições comunitárias. Essa ideia é a de que se um estado não pode cumprir as regras, então a União deve substituir-se às instituições nacionais para as fazer cumprir.

Este princípio viola gravemente os Tratados. Mas isso não é impedimento a que, por pressão do Directório (seja o de um seja o de dois estados) se imponham cinicamente regras que os estados mais vulneráveis não podem cumprir, de forma a abrir caminho à intervenção ilegítima das autoridades comunitárias. De novo, não é só no tratado orçamental que podemos encontrar esta doutrina. Surge crescentemente em outros domínios, o último dos quais é o do controlo das fronteiras.

Alguém se admira que haja tanta gente farta desta União?

João Ferreira do Amaral
http://rr.sapo.pt/artigo/48449/regras