Retratos da desigualdade

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Há, nesta semana, novos cartazes inquietantes nas ruas: rostos de gente onde a dor ou o vazio lavraram uma ausência. São as imagens e frases da campanha da Rede Europeia Antipobreza (EAPN) a gritar que ela existe, em cores diferentes, mas sempre presa na mais irredutível solidão humana “A pobreza não tem barreiras”, “não é cor-de-rosa”; nem “indolor”; “não tem só uma face”; “não vive no nevoeiro”. Está aqui, em vidas reais que confortavelmente não vemos, nem abrem os noticiários à hora nobre. E não é demagógico, nem sentimental dar rosto à pobreza, tornar visíveis as margens esquecidas do Mundo. Ignorá-las é manipular a realidade, obstruindo a consciência ética e política.

Segundo dados do Eurostat, em 2014, 122 milhões de pessoas (24.4% da população) na UE estão em risco de pobreza e exclusão social (1 em cada 4 europeus não tem dinheiro para viver com dignidade) A mesma fonte diz-nos que em 2013, 25,3% da população portuguesa estava em risco de pobreza, evoluindo para 27,5% em 2014. Destes, 10,6% encontram-se em situação de privação material severa, sendo o grupo das crianças e jovens o mais afetado pelo risco de pobreza.

Também o Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou dados definitivos do inquérito ao rendimento e condições de vida (realizado em 2014, sobre 2013) donde globalmente sobressai “o agravamento da taxa de intensidade da pobreza e uma forte desigualdade na distribuição dos rendimentos”.

Independente da crise que, desde 2008, alavancou de forma dramática este flagelo, a constatação de Sérgio Aires, presidente da EAPN Europa, é a afirmação singela que nos assalta: apesar das intenções expressas em tratados ou acordos “o continente europeu não está a conseguir reduzir a pobreza nas suas formas mais extremas”. “A pobreza não é individual, mas coletiva”. É o retrato triste de um país real que não será resolvido “despejando dinheiro” no problema de modo assistencialista, mas qualificando, integrando, dando voz e cidadania a quem dela está excluída (padre Jardim Moreira). E é este o sentido que deve orientar o Estado nas contribuições sociais, como estratégia maior de integração e valorização das pessoas.

Nos dias agitados que têm trazido a “política para a mesa do café” talvez seja altura de, para lá da pequena intriga que alimenta o voyeurismo dos média, refletirmos no modo como nos governamos, pensando políticas sociais e económicas de distribuição da riqueza mais justas, mais estáveis e sustentáveis.

Rosário Gamboa
Opinião JN 23.10.15