Roma não paga a traidores. Mas Lisboa paga

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Rogoff deu uma entrevista ao Expresso, publicada na edição em papel este sábado, que deixou muito bem impressionada metade do País, Nicolau Santos incluído.

Pode ser um problema de falta de memória.

Reinhart e Rogoff, sim, era este mesmo Rogoff, publicaram o seu o “Crescimento em um tempo de dívida” mesmo na altura exacta para servir de suporte conceptual a austeritários com uma agenda radical de neoliberalismo misturado com desmantelamento do Estado Social e promoção de transferência de rendimentos do trabalho para o capital, e de empresas públicas para capitais privados, amigos dos seus amigos.

A tese, curta, era que a dívida pública é que impedia o crescimento das economias, logo no patamar dos 90% do PIB, e essa foi a alavanca para se assumir que era preciso cortar despesa pública, desse por onde desse.

Depois de verem a sua tese desmontada por flagrantes e indesculpáveis erros de cálculo e análise tenham feito um esforço de se reabilitarem, nunca desautorizaram os que em nome da sua suposta ciência se dedicaram fanaticamente à prática da austeridade expansionista, seja lá o que isso for.

Tanto quanto me lembro, nem Reinhart nem Rogoff se opuseram à citação dos seus trabalhos por políticos pró-austeridade, como Osborne, Paul Ryan e Olli Rehn, ex-comissário de assuntos económicos da zona do euro. Por cá, Vítor Gaspar prefaciava um livro dos mesmos autores. Todos filhos intelectuais da mesma ideia.

Para lá dos erros de cálculo e análise, a própria conclusão de que dívidas superiores a 90% do PIB criavam fracos crescimentos da Economia seria sempre discutível. As elevadas dívidas causam baixo crescimento, ou vice-versa?

Teoricamente, a causalidade pode ser revertida. Os altos níveis de dívida pública, através do seu impacto nas taxas de juros e na confiança das empresas, podem afastar as despesas do setor privado e reduzir o crescimento. Mas, o baixo crescimento deprime as receitas fiscais e obriga o governo a gastar mais em coisas como o subsídio de desemprego, Rendimento Social de Inserção e outras políticas sociais. Isso aumenta o défice orçamental, o que exige a emissão de mais dívida.

Mas essa é uma discussão para melhores dias. Por hoje chega esta: quem deu suporte académico e pseudo-cíentifico à austeridade não pode agora vir passar-se por apoiante das políticas que tentam minorar os efeitos perversos da mesma. Quer dizer, poder pode. Nós é que escusamos de pagar a traidores. Duas vezes. Ademais, esta coisa de ficarmos muito impressionados com os que, por serem estrangeiros, ou por lá terem passado, não são de “cá”, é um nadinha provinciana. Para não dizer parola.

Marco Capitão Ferreira
Expresso Diário 09.08.2017