A 8 de maio celebra-se desde há mais de três décadas o Dia Nacional da Segurança Social.
Esta é uma boa ocasião para refletir sobre o passado, o presente e o futuro deste sistema tão importante para a generalidade dos portugueses.
Tendo raízes já longínquas, foi principalmente desde 1974 que o sistema de segurança social veio a ganhar um peso determinante para a nossa vida coletiva e, em particular, para a coesão social em Portugal.
Tem sido uma história de sucessos e dificuldades onde, no entanto, merece destaque o decisivo papel que o sistema público de pensões desempenhou na redução da taxa de pobreza dos mais idosos.
Vindos de uma taxa de pobreza nos idosos que rondava os 38% em 1995, em um quarto de século atingimos valores inferiores a 15% e esse resultado é fruto da ação da segurança social.
Nas últimas décadas as prestações sociais combateram a pobreza nos desempregados, criaram mínimos sociais para os mais excluídos, protegeram na doença e apoiaram de forma crescente a parentalidade. Em paralelo foi dinamizada uma forte rede de cooperação com as instituições da economia social, especialmente no plano dos equipamentos e serviços sociais.
Não podemos, no entanto, esquecer a dimensão e a natureza dos desafios que marcam hoje os sistemas de proteção social e o nosso em particular.
Porventura o maior desses desafios resulta das enormes transformações demográficas das sociedades contemporâneas. Dois vetores evidenciam esta mudança: em trinta anos (de 1984 a 2014) a esperança de vida aos 65 anos cresceu 27% e a natalidade recuou 42%, sendo que, só nos últimos quatro anos da série, caiu perto de 18%.
O impacto que este duplo envelhecimento tem nos equilíbrios sociais é indiscutível, tal como o é nas contas da segurança social.
É certo que historicamente o acréscimo dos rendimentos e da produtividade equilibraram estas tendências e mantiveram viáveis os modelos de proteção. Mas é também verdade que vivemos uma época já prolongada de crescimentos lentos dos rendimentos do trabalho (base de qualquer sistema de seguro social) e que os desequilíbrios demográficos se acentuaram de forma tremenda.
Dimensões de mudança para garantir o futuro
Hoje para pensarmos o futuro da segurança social não podemos deixar de dar prioridade a três dimensões de mudança: temos de garantir a quem trabalha a construção de carreiras contributivas sólidas e com a dimensão adequada ao financiamento das pensões de quem se reforma; temos de reduzir de forma visível a quantidade daqueles que, em plena idade ativa, se veem afastados do mercado de trabalho (em Portugal mais de 1,5 milhões de pessoas com mais de 25 anos); devemos alargar o financiamento da segurança social para além das contribuições sobre o salário.
É certo que algumas destas dimensões estão para além do desenho particular dos sistemas de pensões, mas elas são essenciais para garantir a sua sustentabilidade financeira, económica e social.
Reduzir os períodos de afastamento do trabalho que penalizam pessoas e sistema, melhorar os níveis de rendimento em todas as fases da vida profissional, conseguir que uma parcela significativa daqueles que não têm trabalho regresse a uma atividade remunerada, são condições primeiras para garantir o futuro da segurança social.
É hoje frequente a afirmação de que não existe futuro para o nosso sistema de segurança social ou que não haverá recursos para pagar pensões no futuro.
São afirmações infundadas ou com intenções escondidas.
Os estudos internacionais conhecidos não confirmam estes maus augúrios ainda que não deixem de realçar os riscos que enfrentamos.
A Comissão Europeia aponta, num relatório de 2015, para uma estabilidade do peso das pensões no PIB no longo prazo (2060) com variações entre um máximo de 13,5% em 2030 e decrescendo até um valor de 11,1%. No entanto, prevê a Comissão Europeia um severo decréscimo do valor das pensões comparadas com o último salário. Já a OCDE, em relatório recente, acompanha as previsões da Comissão, mas considera um muito mais elevado valor relativo das pensões no futuro.
No plano nacional, as projeções associadas ao último Orçamento do Estado preveem um crescimento do peso das pensões moderado com um máximo de 2 pontos percentuais do PIB.
Importa realçar que existem nestes exercícios elevados níveis de incerteza e até alguma fragilidade técnica pelo que o estudo sobre este tema necessita de maior aprofundamento e clareza.
A falácia do plafonamento
O debate político feito nas últimas décadas em Portugal acerca do futuro tem-se centrado em torno da necessidade e/ou possibilidade de realizar uma progressiva migração do nosso sistema de pensões para um outro de natureza distinta daquele que possuímos.
O sistema de pensões português é um sistema gerido no chamado modelo de repartição onde as contribuições correntes suportam as pensões do mesmo período.
Em alternativa há quem venha a propor, nomeadamente as forças de centro-direita e direita, a necessidade de introduzir um modelo de individualização da proteção na velhice através dum modelo de capitalização pública ou privada. Ou seja, os descontos de cada um alimentariam uma conta individual que, capitalizada no mercado, serviria no futuro para suportar a pensão desse mesmo contribuinte.
Em geral estas propostas admitem um modelo misto em que só acima de um dado valor de rendimentos é que o modelo de individualização se aplicaria – o famoso “plafonamento”.
Esta mudança é, na minha opinião, negativa e inviável em Portugal.
Negativa porque reduziria inevitavelmente a dimensão solidária do sistema empurrando-nos inevitavelmente para uma proteção social mais desigual. Por outro lado, porque limitando a contribuição dos salários médios ou elevados, iria eliminar qualquer dimensão redistributiva da segurança social forçando à redução das pensões geradas pelos salários mais baixos ou mais irregulares.
Inviável porque, conforme a prática tem demonstrado, conduziria a um longo período de transição onde os recursos contributivos dos sistemas cairiam enquanto a despesa se manteria crescente. O recurso à dívida pública para suportar essa transição (de dezenas de anos) que em tempos foi proposto parece hoje completamente irrealista.
O sistema de segurança social está a demonstrar em Portugal que, apesar das suas fragilidades, possui um elevado potencial de recuperação como demonstra a rápida reação a qualquer sinal de melhoria da situação económica. Hoje, as receitas contributivas estão a crescer bem acima das despesas e é possível prever num prazo curto o regresso à produção de excedentes.
Mas para que isso aconteça importa que a prioridade à recuperação de rendimentos e de criação de emprego seja solidificada, que o sistema melhore significativamente a sua capacidade de combate à evasão e à fraude e que a confiança no contrato social que suporta o seguro social seja plenamente reposta. Tal não se faz sob a ameaça de cortes nas pensões em pagamento nem sob o anúncio mil vezes repetido da falência do sistema.
A construção de um sistema de proteção universal e justo, sustentável e solidário corresponde a uma escolha. Uma escolha coletiva que necessita de ser renovada e reforçada. Uma escolha que exige discussão informada e mais transparência na gestão dos recursos públicos.
O acréscimo de bem-estar que a segurança social permitiu foi fruto de um processo longo que mobilizou gerações. Podemos prosseguir esse caminho com rigor e ambição certos de que esse é o caminho que os portugueses exigem.
José António Vieira da Silva