Formas ancestrais de estar em sociedade vs Fenómeno da Fraude
Em Roma… sê romano.
Logo, em plena silly season convém escrever com menos profundidade sobre um tema, mas tentar fazê-lo aligeiradamente sobre o nosso quotidiano. Talvez assim convença o leitor a percorrer estas linhas, quem sabe num iPad da moda e refastelado na espreguiçadeira de praia!
Já visitei nesta coluna o tema do Triângulo da Fraude (designação atribuída por Donald Cressey nos anos 50 do século anterior). Expliquei então como a Pressão, a Oportunidade e a Racionalização conseguem transformar este triângulo numa roda que nem abranda…
Agora, na ressaca de uma viagem que me permitiu vivenciar as formas de vida dos países escandinavos, pareceu-me razoável revisitar o vértice da Racionalização.
A racionalização da fraude acontece quando nós tentamos neutralizar a nossa culpa. Porque estávamos pressionados e tínhamos a oportunidade, atuamos fraudulentamente. Mas como admitir isto seria um reconhecimento muito duro para a nossa consciência, encontramos formas de neutralizar ou amenizar o ocorrido, alegando (para nós próprios) que outros também o fazem, alegando que já demos muito à empresa (pelo que fotocopiar um livro para o filho é ainda assim muito compensador para a entidade patronal, a quem já damos muito…), alegando que não há prejuízo para ninguém (por exemplo, passando um semáforo vermelho quando temos perfeita visibilidade – julgada por nós, bem entendido) e tantas, tantas outras situações, algumas bem menos ingénuas do que estas aqui apontadas.
Porque na génese da nossa capacidade de neutralizar a culpa está, pasme-se, a nossa formação sobretudo católica-cristã. Porque o Perdão que a Confissão nos permite (ainda que muitos dos leitores não professem necessariamente esta ou qualquer outra Religião, mas para este exercício isso torna-se irrelevante, refiro-me aqui à apropriação de comportamentos que por mimetismo nós, sociedade, vamos adotando), nos “treinou” para a faculdade de irmos relevando a nós próprios (e ao próximo!) os pecadilhos. Claro que com o próximo já não somos tão tolerantes…
Prometi pouca densidade nesta crónica e por isso vou afastar-me deste (perigoso) tema das razões históricas da uma certa forma de estar em sociedade. Tema seguramente interessante de revisitar noutro momento, comparando (suportado com números) determinados comportamentos fraudulentos em regimes onde a religião maioritariamente professada seja mais conservadora, mais ortodoxa. Que, eu diria, são quase todas as outras que não a católica-cristã.
Concentro-me, assim, nas pequenas coisas. Na espuma das ondas. Viva o Verão.
Em França e na Bélgica encontram-se neste momento cartazes que apelam o condutor a não atirar lixo pela janela do automóvel. A cara do condutor está representada por um robusto PORCO. O que é certo é que é efetivamente um problema que preenche as bermas das estradas nestas latitudes. Tem a ver com Fraude? Não no sentido de fraude económica que aqui temos vindo a tratar. Mas tem a ver com as nossas pequenas concessões. Com essas neutralizações vamos construindo um arquétipo de comportamento que depois nos permite facilitar no restante.
Claro que com esse lixo vão as beatas. Claro que ardeu uma área absurda no nordeste francês porque um condutor atirou uma beata para a berma da estrada, o que está absolutamente proibido em algumas áreas da Europa este verão. Mas que não estivesse, é comportamento aceitável no século XXI que os fumadores se sintam no direito de deixar beatas de cigarros em todo o lado?!
Uma das convicções que vamos criando é que os outros povos não são felizes porque têm muitas regras. E esta, claro, é mais uma mentirinha de regime. São felizes, sim! São muito felizes. Pagam muitos impostos. Respeitam as regras da vida em sociedade. Estudam, brincam, trabalham. Têm dias para recolha de lixo e respeitam-no. Têm faixas paras bicicletas e respeitam-nas. Têm sistemas de transporte públicos e vários museus sem “portaria”. Paga-se o bilhete e entra-se. Além de mim mais ninguém pareceu hesitar na tentação de simplesmente… entrar, sem “passar na casa partida”.
Isto são frivolidades de Verão. Ou não?
Será que é em cima deste contínuo respeito pelas mais básicas regras de vida em comunidade que eles (por eles entendam os escandinavos) constroem uma estrutura de valores que depois conduz a uma sociedade com uma economia paralela muito inferior à nossa?! Com uma incidência de fenómenos de corrupção que faz corar o nosso cantinho aqui plantado?! Com índices de transparência na administração pública e com uma aproximação muito maior do cidadão ao decisor político, que nos fazem perceber que é na base que temos agir?!
Com a repressão e o combate atrasaremos a luta contra a fraude e a corrupção. Assim esperamos.
Mas é com a educação que venceremos a guerra.
Compete-nos a todos fazer um Ato de Contrição (já que falei em religião, abrindo uma caixa de Pandora…) e perceber que é com uma diferente consciência enquanto Comunidade que faremos deste um País melhor.
Assim vai o Mundo…