Os preços de eletricidade, saneamento básico, recolha do lixo ou mesmo para andar de comboio dispararam
A partir de 2011 Portugal viveu um período marcado pela entrada da troika e o avanço de uma austeridade sem paralelo. A culpa do resgate foi atribuída “aos portugueses” que teriam “vivido acima das possibilidades”. Agora, volvidos mais de quatro anos, há uma mudança evidente: hoje é mais difícil viver em Portugal sem ser acima das possibilidades. Perceber esta afirmação obriga a olhar além da inflação geral e a entrar na evolução específica dos preços de certos bens, sobretudo os incontornáveis, comparando-os depois com a evolução registada nos rendimentos.
Os valores globais para a evolução anual dos preços apontam para uma relativa contenção nos preços, com a inflação a variar entre a taxa de 3,7%, de 2011 e os -0,3% de 2014 – em 2015, e até novembro, a inflação rondava os 0,6%. Mas estes valores anuais referem-se a um cálculo que engloba várias classes e subclasses de produtos e serviços, cálculo que acaba por ocultar o jogo de “compensação” entre os bens que registam fortes subidas – os essenciais – e os que sofreram fortes descidas.
Serviços básicos
Entre aumentos de impostos, taxas e atualizações tarifárias, a austeridade incidiu com maior força nos bens essenciais e ligados à habitação, precisamente aqueles de que é mais difícil – ou impossível – fugir.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), desde 1 de janeiro de 2011 e o final de novembro de 2015, os residentes em Portugal viram a fatura associada ao saneamento básico disparar 53% e a relativa aos serviços de “recolha de lixo” a subir perto de 30%. Já a conta da luz, entre atualizações anuais e a passagem do IVA da eletricidade para os 23%, acumulou uma inflação de 35% de 2011 a 2015.
Além do aumento do preço da luz, sublinhe-se a velocidade com que aconteceu: de janeiro de 2011 a
janeiro de 2012, a eletricidade subiu mais de 20%, acumulando nos anos seguintes atualizações anuais de 3% ou superiores. Neste capítulo, há ainda a destacar a evolução do preço do gás (13%) e da água (7,7%) verificada entre 2011 e 2015.
Já do outro lado da balança, e enquanto tinham de enfrentar estes aumentos, os trabalhadores viram os salários líquidos em Portugal subir 1,59%, ou mais 13 euros entre o início de 2011 (altura em que o salário médio era de 816 euros) e setembro de 2015 (salário de 829 euros). É nesta diferença entre evolução de preços e salários que se encontra a razão para a subida da pobreza em Portugal.
Transportes
À imagem do que aconteceu na energia, os transportes públicos foram outro dos setores atacados pela austeridade desde o primeiro dia. Sérgio Monteiro, hoje responsável pela venda do Novo Banco, deu a cara por estes aumentos: em agosto de 2011 as tarifas subiram em média 15%, depois de em janeiro do mesmo ano já terem aumentado 4,5%. Em 2012 voltaram a subir 5%.
Segundo o INE, desde o início de 2011 e novembro de 2015, andar de comboio ficou 27% mais caro, e de autocarro 17% mais dispendioso. O cenário também tem sido agressivo para quem usa títulos combinados, cujos preços subiram 26% em cinco anos. Ou seja, os preços dos meios de transporte mais utilizados e, para muitos indispensáveis, dispararam. Em sentido oposto, o transporte aéreo: sendo um sector de forte concorrência e dado o reforço das low-cost em Portugal, os preços acabaram por recuar 19,7% desde 2011.
Educação, comida e futuro
Portugal é um dos raros países europeus que cobram pela frequência universitária, detalhe que, nestes anos de crise, tem impulsionado as desistências – Porto, Coimbra, Minho e Algarve contabilizavam duas mil desistências por motivos financeiros a meio do ano letivo de 2013–14. Mesmo assim, as propinas também aumentaram nos últimos anos: segundo o INE, frequentar o ensino superior ficou 6,93% mais caro desde o início de 2011, evolução que supera a registada na inflação contabilizada no nível de ensino pré-primário e primário (5%) e secundário (2,6%).
A saúde viu os preços crescerem 1,72% nos últimos anos, com destaque para o salto expressivo de 16% no custo dos serviços hospitalares.
Destaque final para a “alimentação” que, tanto devido à concorrência entre a grande distribuição como graças a uma maior procura – menos idas a restaurantes -, apresenta uma inflação acumulada de 1,62% desde 2011, com bens como o pão (0,8%), a carne (-3,6%) mas também o peixe, o leite ou o queijo (-2,3%) a tornarem-se mais acessíveis para as famílias.
Apesar de todos estes aumentos, certo é que nem a “saída limpa” nem a eleição de um governo de esquerda levaram ao seu desagravamento. Antes pelo contrário: a luz, que subiu 35% desde 2011, vai subir mais 2,5% já em janeiro de 2016. Já em termos políticos, o governo socialista deu antes prioridade à redução do IVA na restauração, mantendo a cobrança de 23% de IVA na eletricidade, um bem essencial que, a pouco e pouco, se foi tornando um luxo.
Filipe Paiva Cardoso