TRABALHOS FORÇADOS

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Há cada vez mais reformados que precisam de trabalhar para conseguirem sobreviver.

Orçamento do Estado para 2015 prevê aumentos de um por cento nas pensões mais baixas, mas esse ajuste não vai evitar que haja muitos reformados que têm de continuar a trabalhar. Porque a pensão não chega, porque têm de ajudar os filhos, pagar comida, contas, medicamentos. Vinte por cento dos idosos portugueses continuam ativos – um dos valores mais elevados da União Europeia. Uns porque querem. A maioria porque não tem opção. Envelhecimento ativo nem sempre é uma expressão bonita.

No final de 2009, Elídio Almeida reformou-se. Tinha chegado aos 65 anos e passara os últimos vinte a fa­zer o que gostava. Todos os dias de manhã apanhava alunos em casa e levava-os de autocarro para a escola. Ao fim da tarde, cumpria a rota ao contrário, por Lis­boa. Os rapazes com quem ralhava são agora homens feitos. As meninas tornaram-se senhoras crescidas, muitas já têm fi­lhos. Às vezes, Elídio apanha alguns desses miúdos, agora no táxi que conduz. São sempre encontros felizes, dez minutos no trânsito servem para atualizar muita memória. As conversas começam com uma pergunta: «Ainda trabalha, senhor Elídio?» O homem só pode dar uma resposta: «Tem de ser.»

Aos 70, Elídio cumpre o turno da manhã nos táxis, desperta às quatro e meia da madrugada e só para depois de almoço. «É puxa­do, lá isso é.» Anda cansado, mas não pode abrandar. Os filhos não arranjam emprego. Já passaram os 30, são ambos doutorados, estu­daram os dois Bioquímica, mas os centros de investigação onde tra­balhavam perderam o financiamento e os seus contratos não foram renovados. «O rapaz voltou a casa, tenho de o ajudar com tudo.» A fi­lha, já casada e com filhos, tenta sustentar a sua própria família com menos um salário. «Fazemos-lhe as compras da semana.» Suspira.

Segundo uma investigação da União Europeia chamada Active Ageing Index (Índice de Envelhecimento Ativo), Portugal é o segundo país do continente onde as pessoas trabalham até mais tarde, atrás apenas da Roménia. Da população entre os 65 e os 69 anos, 24 por cento permanecem no ativo e dos 70 aos 74 a percentagem é de 19,1. E isso não tem o sentido positivo que tantas vezes se lhe atribui. Já em 2012, Asghar Zaidi, coordenador deste estudo e professor de Política Social Internacional na Universidade de Southampton, alertava na Fundação Calouste Gulbenkian para uma situação de emergência em Portugal. «O país está num extremo. As pessoas trabalham não por escolha mas por falta de alternativas, devido a pensões de reforma baixas», disse então ao Jornal de Notícias. «E o mais preocupante é que Portugal está no topo dos países onde os idosos têm menos autonomia, dependendo do estado, das famílias ou das instituições para sobreviver.» O governo anunciou na semana passada um aumento das pensões mínimas: um por cento para quem ganha até 259 euros, ou seja, mais 2,59 euros. Daí para cima, as reformas ficam congeladas. Nos valores mais altos, acima de quatro mil euros, voltam a sofrer cortes.

ESTE PAÍS É PARA VELHOS, SIM, DESDE QUE NÃO SEJAM PORTUGUESES.
Desde 2013, há um acréscimo acentuado de reformados suecos, franceses, holandeses, britânicos, italianos e suíços a viver em Portugal – não há dados oficiais. Foi nessa altura que entrou em vigor a lei de 2009 que garante isenção fiscal a aposentados e residentes não habituais, durante dez anos. A Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária lançou recentemente um estudo em que assinala que, só no primeiro trimestre de 2014, 3,5 mil cidadãos estrangeiros – no grosso, europeus – investiram no imobiliário português. Isso representa 14 por cento do mercado. As pensões no Reino Unido e na França, no escalão mais baixo, rondam os 700 euros mensais. Na Alemanha, no patamar mínimo, os cidadãos fazem 1263,15 euros por mês. E em Portugal? Este ano, a reforma média para oitenta por cento dos aposentados era de 365 euros, segundo o Ministério das Finanças. Há 2,5 milhões de pensionistas no país. Um milhão e novecentos mil estão no limiar da pobreza.

Era aqui que Elídio Almeida estaria se não se tivesse agarrado ao volante e feito ao asfalto, em 2010. Lisboeta, conhecia bem as ruas da cidade e, antes de ter sido motorista dos transportes escolares, já tinha sido taxista – na altura por conta própria. Pedro Lopes, presidente da Retalis – a maior cooperativa de táxis lisboeta –, diz que o número de reformados a conduzir na capital tem aumentado nos últimos anos. «Neste momento são entre 30 a 40 por cento dos motoristas da cidade.» E garante que há pessoas com mais de 80 anos ainda a trabalhar. É verdade que quando Elídio se reformou equacionou a hipótese de deixar de trabalhar. Tinha uma pensão de 440 euros e com a mulher ainda a trabalhar, a casa na Margem Sul paga, ele nunca fora homem de vícios, só um café de manhã e outro a seguir ao almoço… «Dava para uma vida sem grandes confortos.» Depois… depois veio a crise, e ele ainda se sentia com forças. «Achei que devia fazer qualquer coisa.» Agora já o preocupa o dia em que tiver de parar. Não tanto por ele, mais pela família. «Diga-me lá, se eu não continuar a dar no duro, como é que vamos viver com um mínimo de dignidade?» Não era este o plano. Nem os sonhos. O dele era levar a mulher aos Açores. «Sempre que vejo os Açores na televisão penso que aquilo é que deve ser bonito.»

A SUSTENTABILIDADE DAS REFORMAS é uma das questões económicas estruturais do nosso tempo.«Teremos de ir au­mentando a idade da reforma ao mesmo tempo que vai aumen­tando a esperança de vida», diz José Vieira da Silva, ministro do Trabalho e da Solidariedade no primeiro governo Sócrates e da Economia no segundo. «Mas estes anos de crise criaram um problema conjuntural. O desemprego, a inatividade e a emigra­ção atiraram dois milhões de pessoas para fora do mercado de trabalho.» É gente que não contribui fiscalmente e acentua um problema que já existia. «O sistema poderia equilibrar-se minimamente quando houvesse uma retoma financeira, mas se emigrarem, por exemplo, 400 mil portugueses e não voltarem, como é que vamos pagar as reformas?»

Maria João Valente Rosa, socióloga e autora de O En­velhecimento da Sociedade Portuguesa, deixa um aler­ta: «Já há mais de um milhão e meio de reformas abai­xo do salário mínimo e a tendência é de agravamento. Teremos mais idosos, menos população ativa e cada vez mais gente no limiar da sobrevivência. E não estamos a fazer nada para mudar.» Vieira da Silva não discorda, o caso português é complicado: «Temos muita gente com carreiras contributivas baixas. Os mais antigos, que trabalharam a vida inteira no regi­me anterior, não faziam muitas vezes descontos. Há muita gen­te que passou vinte ou trinta anos fora do país e não declarou rendimentos.» Também por isso que há tantas reformas baixas.

A história de Elídio Almeida, taxista, tornou-se per­versamente banal – existe um país inteiro a trabalhar até ao li­mite das forças. São os nossos pais e os pais dos nossos amigos, são os nossos vizinhos do lado. Têm de acrescentar biscates à reforma para ajudar os filhos, pagar medicamentos, comida e rendas de casa. Há gente muito cansada.

CUSTÓDIA BARROS DIZ QUE NÃO AGUENTA MAIS. Tem 81 anos e uma prótese na anca que lhe dá dores que não a deixam dormir. Não fosse o reumático já um suplício. Tem de caminhar com muletas – e custa-lhe muito baixar-se para raspar e encerar o chão da casa onde faz limpezas todas as sextas feiras. «Já lá estou há 55 anos. Antes ia todos os dias, mas já não consigo tanto. Agora é só uma vez por semana.» Os 120 euros que ganha mensalmente como mulher a dias são preciosos para juntar à reforma de 259,45. Trata do chão e limpa o pó, faz as camas e deixa comida no congelador para a semana inteira. «Só os braços é que me matam a fome, pernas já não as tenho de jeito.»

Nunca na vida conheceu outra coisa que não fosse trabalho. Mora nas Presas dos Currais, Porto, chegou aos 12 anos de Braga, para ser­vir em casa de uma senhora da Foz. Quando era gaiata passava os dias a arear pratas e a sacudir tapetes. Aos 20 conheceu o pai dos filhos, nunca se casaram mas viveram juntos – numa casa na Areosa que ti­nha quintal e três quartos. Tiveram quatro filhos. Quando o mais no­vo nasceu, o marido foi para Angola. Morreu num acidente de carro quando o bebé tinha 6 meses. «Como não era casada não tive pensão de viuvez. Tinha 40 anos e tive de trabalhar muito.»

Manhãs, tardes e noites, só parava ao domingo. Nunca descontou, é de outro tempo. Trabalho de limpezas é pago com dinheiro vivo. Conseguiu pôr os miúdos a estudar, dois emigraram, um é motorista de autocarros no Porto, uma vive em Braga. Quando se reformou, começaram os problemas. O filho mais novo ganha o salário mínimo, nunca saiu da cepa torta. A neta, a crescer, começava a pedir coisas, e era a avó que acabava por dar-lhe os mimos. Até que Custódia deixou de conseguir trabalhar. Antes da reforma fazia oitocentos euros por mês, safava-se. «Vieram os problemas na anca, tive de ficar hospitalizada. Durante meses fiquei só com o dinheiro da reforma.» Acabou por ter de se mudar da Areosa para um barraco húmido, sem casa de banho mas com a renda a dez euros que conseguia pagar. Com o que agora passava a ganhar era tudo o que conseguia.

O casebre era a antiga arrecadação de um quintal. Uma cozinha numa divisão interior, onde mal cabe um fogão. Quarto e sala juntos na mesma divisão. Um colchão em cima de um estrado, por cima uma estrutura onde estão empilhados os cobertores para o inverno. Um armário para a roupa. Duas cadeiras, uma televisão, bibelotse fotografias dos netos. «Gasto 10 euros na renda, mais 50 de luz, porque a casa é muito fria e tenho de me aquecer. De gás vão 27, mais 15 para a água, tenho uma puxada de uma vizinha para o quintal e pago–lhe a ela.» Cinquenta vão para os medicamentos, dez para o telefone. «O meu filho vem cá comer todos os dias, mas carne já não faço há muito tempo.» Às vezes vai ao talho pedir umas sobras de carne para o cão. Não são para o cão. Perder forças seria um luxo. Se não trabalhar, Custódia vai passar fome – ela, o filho, a neta. A Liga Nacional contra a Fome vai dando uma ajuda, arroz e massa, uns pacotes de leite de vez em quando.

«Isto é uma nova forma de escravatura», diz, de forma crua, Adalberto Dias de Carvalho, professor da universidade do Por­to que coordena o Observatório da Solidão e autor do livro An­tropologia da Exclusão ou o Exílio da Condição Humana. «Um indi­víduo que tenha chegado à idade de se reformar mas não pos­sa sequer pôr em causa a ideia de parar está a ser despojado da sua identidade. Não é ninguém, a não ser o trabalho que execu­ta. Não pode decidir, não pode pensar o presente nem projetar o futuro.»

Sónia Silva, psicóloga da associação de solidariedade portuense, anda assustada com o número de idosos que antes tinham vidas dig­nas e agora têm de recorrer à ajuda alimentar. «De 2012 para cá as coisas pioraram muito. Os filhos estão no desemprego ou emigra­ram, estas pessoas foram perdendo as estruturas de apoio e estão so­zinhas. Mas também estão velhas, sem forças, vulneráveis. Tentam arranjar trabalhos não declarados, para não perderem nem um cên­timo. É um mundo escondido, à vista de toda a gente.» A Lei Geral de Aposentações permite aos reformados trabalharem em empresas privadas, sem risco de perderem as pensões. Já para o sistema públi­co, trabalho remunerado retira o direito à reforma.

DEPOIS HÁ CASOS COMO O DE FÁTIMA LOPES, 56 anos, que há 12 teve de se aposentar por invalidez. «Metade de mim é metal», brinca. Foi operada três vezes à coluna, três hérnias. Da última vez puseram-lhe um aparelho nas costas e nas pernas. Foi reformada compul­sivamente, contra a sua vontade. «Marcaram-me a junta médi­ca, nem sabia ao que ia. Pedi para continuar a trabalhar, disse­ram-me que na minha condição não era possível. O mundo fu­giu-me dos pés.» Passava a contar com 345 euros por mês, pela reforma antecipada. Só a renda de casa eram 250. Antes trabalha­va como administrativa na Marinha Mercante, os certificados de importação e exportação eram sua responsabilidade. «Ganha­va bem, 1500 euros caíam na conta mensalmente, podia propor­cionar uma boa razoável aos meus filhos.» Tem três, dois rapazes e uma rapariga. O marido saiu de casa quando a saúde dela piorou. O filho mais velho quis fazer carreira na tropa, o segundo trabalha­va, mas tinha também alguns problemas de saúde e teve de parar. A rapariga, Cláudia, era o orgulho da casa, tão boa aluna que ganhou uma bolsa de estudos – toda gasta a pagar a renda dos meses seguin­tes. «Mudei-me para casa da minha mãe, que entretanto faleceu. A reforma dela era o que nos valia. Enquanto durou.»

Durante um ano vendeu todo o ouro da casa, pediu dinheiro a fami­liares, gastou o que tinha posto de parte. «Chegámos ao Natal de 2002 a comer massa com massa ou arroz com arroz. Houve um dia em que pensei que era mais fácil parar com tudo, enfrascar-me em compri­midos e acabar com a minha vida. Se não fossem os meus filhos era is­so que eu tinha feito.» Decidiu pedir ajuda alimentar. Valter, o filho do meio, começou a trabalhar como segurança. Cláudia acabou o 12.º ano com média 17 e começou a trabalhar nos serviços administrativos de um hotel, 580 euros que iam para as contas de casa.

Há cinco anos, a ajuda alimentar começou a escassear e Fátima voltou a temer. E então decidiu-se: «Vou trabalhar.» É isso que faz hoje, na Liga Nacional contra a Fome. «Faço telemarketing, tento convencer pessoas a patrocinarem a associação.» Começou o dia inteiro, mas o corpo não aguenta – tem ordens dos médicos para não passar demasiadas horas sentada. Agora faz as manhãs, dois auto­carros para chegar ao outro lado da cidade e o resto do percurso a pé, de muletas. «Não recebo dinheiro, recebo comida. Eu trabalho a troco de comida», diz. E desata num pranto.

A socióloga Maria João Valente Rosa insiste que estas pessoas não podem cair num «véu de abandono» e que um país europeu tem obri­gação de não permitir a quem trabalha viver no limiar da sobrevi­vência. «Temos de pensar como vamos evitar os casos mais graves no futuro. A maior parte destas pessoas não pensava que teria vin­te anos de vida pela frente depois de se reformar, porque a realidade mudou e o envelhecimento é um facto.» Continuará a sê-lo. Segun­do estimativas do Instituto Nacional de Estatística, o país terá três milhões de idosos em 2070. «Aumentar a idade da reforma, dimi­nuir pensões ou fazer subir as contribuições são cuidados paliativos. Temos seriamente de nos preparar para o futuro.»

Só uma redefinição do modelo de trabalho permitirá um sistema viável para o futuro, segundo a opinião desta socióloga. E que põe a tónica também no sistema laboral. «Em Portugal, as empresas es­tão interessadas no cumprimento de horários, quanto mais horas se trabalhar, melhor.» Se o foco fosse colocado nos trabalhadores, isso, além de torná-los mais autónomos, permitia-lhes adquirir no­vas competências, o que era bom para as empresas e os ajudava a preparar o futuro. «As pessoas precisam de tempo para se prepa­rarem para novas circunstâncias. O que está a acontecer é uma re­petição de um modelo gasto, que retira aos cidadãos a capacidade de se adaptarem. É uma questão de dignidade humana, tem de ser trabalhada pelos trabalhadores, pelos empresários, por toda a gen­te. E tem de ser o Estado a dar o exemplo.»

NO VERÃO COMEÇAM ÀS CINCO, agora que chegou o outono já po­dem dormir até às seis e meia. Francisco Patrício, 76 anos, e Catarina Pires, 75, guiam a vida ao ritmo da terra. Ela dedica-se à horta e às ga­linhas, ele ainda pega no trator para lavrar trigo ou aveia, e na época da apanha da azeitona supervisiona os trabalhos. «Mas a minha pai­xão são as abelhas», diz o homem com sotaque alentejano. «Tenho quarenta colmeias que me dão mel para o ano inteiro.»

Francisco tem um cancro, e não tem qualquer problema em admi­ti-lo. «Hei de trabalhar até morrer, que remédio. Nós, alentejanos, nascemos com terra no sangue.» E poesia na boca, está visto. Já teve dias piores, quando a quimioterapia o impedia de amanhar o cam­po. Mas nem nos piores tempos se esquivava a ir aos favos. Nem po­dia. «Juntos, eu e a minha mulher temos uma reforma de 600 euros. Produzimos quase tudo o que comemos e o dinheiro vai todo para os medicamentos.» Ainda pensaram em inscrever-se num lar das re­dondezas, mas é 350 euros por pessoa – e não lhes chega a carteira.

Não bastavam os problemas de saúde para lhes tirar o sono, o go­verno quer agora tirar-lhes a terra. O casal é rendeiro da Herdade dos Machados, no concelho de Moura. Em junho, receberam uma carta do Ministério da Agricultura, a pedir o abandono dos hecta­res que cultivam desde 1980. Ao todo, foram contactadas 14 pesso­as, todas reformadas há uma boa dezena de anos. «Como já não te­mos idade de trabalhar, dizem-nos que já não temos direito de ex­ploração», queixa-se Francisco Farinho, porta-voz da indignação. «Mas agora explique-me lá como é que vamos sobreviver sem ter­ra para cultivar?»

A divisão de terra nos Machados foi a resposta de Sá Carneiro à reforma agrária dos anos 70. O Estado tinha nacionalizado a her­dade em 1975 e o então primeiro-ministro decidiu dividir cerca de 3000 hectares em 338 lotes de terreno. Os 94 funcionários da pro­priedade passaram a pagar ao Estado uma renda anual para pode­rem explorar as terras em seu proveito e os anteriores proprietários não receberam mais de 490 hectares. Antes da revolução, tinham 6100. «Quando aqui veio, Sá Carneiro prometeu-nos que isto seria nosso para sempre. Agora vem a Assunção Cristas dizer o contrá­rio», diz Farinho. «Não se tira o tapete do chão assim a pessoas que já estão velhas.»

FERNANDO GROSSO, 59, ANDA COM A CABEÇA ÀS VOLTAS, se os pais per­dem as terras vão viver onde? Os velhotes estão já nos oitentas, ele an­da a ajudá-los porque o emprego nas obras escasseia. «Se for preciso emigro, mas eles vivem aqui, se os mandam embora vão viver para a rua.» Por mais barata que encontrem uma casa, não lhes dá para co­mer e pagar medicamentos. «E eu não os posso ajudar.»

É fácil perceber o dilema. Para quem vive no campo há sempre uma horta, disfarça-se a pobreza com uma enxada. Sem terra pa­ra trabalhar, esta gente não tem como viver. Mas nas cidades e nos subúrbios são aos milhares os idosos que continuam a fazer pela vi­da. São velhas a cuidar de velhos em lares. São outras que vendem comida e bordados. Limpam escadas, limpam casas, passam a fer­ro de tornozelos inchados. São motoristas de táxi, vendedores de tupperware, tiram bicas nos balcões dos cafés, vendem jornais nos quiosques. Fazem trabalhos de pintura, eletricidade, canalizações. O que podem. Atrás destas histórias está um drama que é do país inteiro e, ao mesmo tempo, a tragédia de cada um.

Por: Ricardo J. Rodrigues • Fotografia de Leonardo Negrão / Global Imagens
NOTÍCIAS MAGAZINE 27/10/2014