Em 10 de Dezembro, o Jornal de Notícias (do Porto) publicou duas das suas principais páginas sobre o assunto, com chamada na capa, mas destacando apenas uma dessas 106 medidas: os títulos garrafais, a toda a largura das primeira e quarta páginas, são bem elucidativos:
Eu, que fiz 67 anos há poucos dias e que tenho carta de condução há 45 anos, fiquei curioso com tal notícia mas, ao mesmo tempo, indignado pelo facto de haver (mais) uma discriminação negativa face a um grupo social, apenas em função da idade!
Li e reli o artigo completo, de ponta a ponta, e cheguei facilmente à conclusão de que os títulos em causa estão demasiado exagerados e, até, em contradição com o respetivo conteúdo! Porquê? Na verdade, se 29 % das vítimas mortais têm mais de 65 anos, como diz o JN, isto significa que mais de 70 % das vítimas da estrada têm menos de 65 anos!
Aliás, esta verdade de La Palisse é confirmada pelo próprio Presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, José Miguel Trigoso, quando diz precisamente que os idosos, enquanto condutores, “não estão envolvidos na maior parte dos acidentes”! Este mesmo responsável da PRP acha também “estranho que se torne obrigatória a formação aos 65 anos e não vê fundamento científico para isso“, o que contrasta, mais uma vez, com os títulos garrafais já referidos!
Aqueles 29 % de idosos, apesar da “idade, das doenças e dos efeitos da medicação”, foram vítimas da sinistralidade não só em função da sua idade mas, também, em função de todas as outras causas que afetam todos os restantes condutores!
Então, o que levou a jornalista Dina Margato a destacar, com particular ênfase, apenas uma das medidas propostas, de entre as 106 constantes do referido PENSE? É mesmo caso para pensar!
Aliás, também, todo o artigo está cheio de contradições, para além das já referidas. Por exemplo, diz que “os motociclos são os mais perigosos” e que “entre 2010 e 2015 foram os que apresentaram os indicadores de risco de vítimas mortais mais gravosos”. Ora, não me parece que sejam as pessoas com mais de 65 anos que usem maioritariamente este tipo de veículo!
Pelo contrário, e no que se refere (por exemplo) ao seguro automóvel, é sabido que os reformados e pensionistas (nos quais se incluem a maioria dos idosos) são dos condutores que oferecem menos risco de acidentes, ao contrário do que se passa, por exemplo, com os adultos com menos de 25 anos de idade!
É sabido, também, que a alta velocidade é uma das causas mais conhecidas dos acidentes rodoviários. Ora, é também do senso comum saber-se que a faixa etária dos menos jovens não é a mais propensa a altas velocidades! Bem pelo contrário!
Por outro lado, se um adulto está apto para trabalhar pelo menos até aos 66 anos e três meses (idade legal da reforma, a partir de 2017), porque já não está apto para conduzir aos 65?! Não deve ser a idade a definir estas situações mas, sim, o estado de saúde de cada condutor e isso já é salvaguardado com os atestados médicos obrigatórios, pelo menos a partir dos 60 anos de idade!
A jornalista em causa não quis aprofundar a matéria (podia ter falado, por exemplo, na questão do custo das portagens que leva muitos condutores a optar por outras estradas de menor segurança) e limitou-se a dar todo o realce, despropositado, à questão dos 65 anos, isto é, a menos de 1 % de todas as principais causas dos acidentes rodoviários! Com que fins?
Aristides Silva