Um silêncio revelador (a propósito da dívida)

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Está a fazer um ano que, num dos meus comentários semanais na SIC Notícias, falei sobre uma entrevista que me deixou algo perplexo. Refiro-me à que o presidente do governo espanhol Mariano Rajoy deu, simultaneamente, a vários jornais em 8.12.2013 (El País, The Guardian, Le Monde, La Stampa, Süddeutsche Zeitung y Gazeta Wyborcza).

Transcrevo aqui um excerto da mesma:

M. Rajoy – O sistema bancário espanhol foi sujeito a acções de supervisão, vigilância e inspecção como não aconteceu a mais ninguém na Europa. Concluiu-se, então, que o sistema bancário espanhol necessitaria de 40.000 milhões de euros, ainda que o máximo autorizado atinja os 100.000 milhões de euros.

Pergunta – E de esses 41.000 milhões que estão a ser utilizados, quanto é que estima que se possam recuperar

M.Rajoy – Bom, essa é uma questão a ver no futuro, logo que se venham a vender os bancos que tiveram que ser nacionalizados e os activos imobiliários. Mais propriamente, são 40.000 milhões a 0,5% com um período de carência de 10 anos, pelo que haverá logicamente que emitir dívida pública com uma maturidade, creio, entre a 10 a 15 anos.

Como se constata, as condições financeiras do empréstimo são muito vantajosas, sobretudo quanto à taxa de juro de 0,5%. E, na altura, questionei-me e questionei por que razão Portugal estava a pagar taxas bem mais elevadas.

O silêncio foi absoluto.

A semana passada voltei ao assunto, sugerido por uma notícia do “El País” de 19 de Maio (página 39). Deixo aqui reproduzido o excerto mais significativo:

Confirma-se, assim, o que lera na entrevista de Rajoy. Com mais pormenores, um dos quais significativo para comparar com as condições de Portugal: juro de 0,5%, período de carência de 10 anos, no valor total de 41.300 milhões de euros, através do Mede (em português: MEEF, Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira).

Fui, então, consultar o site oficial do IGCP para conferir as nossas condições (boletim mensal de Maio). Transcrevo do mesmo (clicar para aumentar):

O mesmo MEEF financiou-nos em cerca de 1/3 do empréstimo da tróica (cerca de 24.000 milhões de euros) a uma taxa aproximada de 3% (“All in cost”, TIR incluindo juros e comissões).

Fiz uns cálculos conservadores, considerando a maturidade média de 12,3 anos, caso Portugal tivesse obtido, não os 0,5% de Espanha, mas 1% (reconhecendo-se que o prémio de risco é mais elevado cá do que lá).

Passar de 3% para 1% significaria uma poupança de 483 milhões num ano e de 5.940 milhões na totalidade, considerando a maturidade média.

Verifico, com tristeza, que na tão “solidária” Europa continua a haver filhos e enteados. Grandes e pequenos. Fortes e fracos.

Será que as autoridades portuguesas tentaram negociar uma maior convergência com as taxas de Espanha? Ou limitámo-nos a usufruir dos habituais elogios hipócritas de sermos bons alunos?

Achará o Governo que procurar melhorar as condições de financiamento são uma forma da proscrita “reestruturação” da dívida?

Não disse a Senhora ministra das Finanças que tinha os cofres cheios, para os quais estarão a contribuir os montantes do MEEF?

A poupança anual (cerca de 0,3% do PIB) não poderia apaziguar a sanha contra os reformados que, segundo o mistério do ministério, andam pelos 600 milhões? Ou será que o MEEF estará mais necessitado que os reformados da nossa SS?

Como português e como contribuinte, não me conformo. Acho que tenho, que temos, o direito de saber as razões desta injusta diferença entre dois países europeus.

O certo é que o silêncio continua. Devastador. Indiferente. Das hostes oficiais, dos representantes do povo e – pasme-se – das oposições, tantas vezes, mais entretidas com minudências de trazer por casa.

Assim vai a política da distracção.

Bagão Félix
http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2015/06/04/3842/