Uma entrevista que tem que se lhe diga…

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Com o Governo em gestão, faz sentido o anúncio de “benesses”, nomeadamente às Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)?

No dia 20 de Março, a senhora ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Ramalho, deu uma entrevista ao PÚBLICO na qual afirma, sobre a crise política em curso: “Nós não temos de nos sujeitar a juízos de ética para além do cumprimento escrupuloso da lei!” Ora, a conduta ética não é apenas uma questão de agir de acordo com a lei, vai mesmo muito para lá da legalidade, pois exige aos titulares de cargos públicos elevado nível de responsabilidade, não podendo eles dar lugar, com a sua forma de agir, ao aviltamento da função com a correspondente desvalorização das instituições públicas aos olhos da sociedade.

No momento político que atravessamos, com o Governo em gestão, faz sentido o anúncio de “benesses”, nomeadamente às Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)? Esses apoios são fundamentais para a sobrevivência das IPSS e, a efectivarem-se, só pecam por tardios. Entretanto, pergunta-se: será que os novos apoios vão mesmo efectivar-se, estando o Governo em gestão? A dúvida é mais que legítima, visto que, à data em que se escreve este texto, as IPSS ainda não tinham recebido qualquer apoio anunciado.

Por outro lado, a senhora ministra afirma na entrevista que “o sistema previdencial da Segurança Social está de boa saúde”, afastando a ideia de que o excedente da Segurança Social seja usado para cobrir o défice da Caixa Geral de Aposentações. Ora, se assim é, como se justifica que tenha criado um grupo de trabalho para estudar a “sustentabilidade a longo prazo” do sistema de Segurança Social e propor “medidas concretas”, grupo que vai ser coordenado por Jorge Bravo, professor na Universidade Nova de Lisboa e consultor científico em instituições públicas e privadas, nomeadamente no sector dos seguros e fundos de pensões. Este economista, que lidera o grupo para preparar mudanças no sistema de pensões, tem uma visão muito própria das mesmas e colaborou na elaboração do recente relatório do Tribunal de Contas. Já há muitos anos que defende a possibilidade de as pessoas descontarem para fundos de pensão privados, e isso será muito mau para a Segurança Social pública.

Sobre o “défice da CGA”, é perigoso e inconsistente considerar que ele existe. Assim como não podemos falar em défice para pagar salários da função pública, também não podemos falar em défice da Caixa Geral de Aposentações, uma vez que o seu financiamento está integralmente garantido pelo Orçamento do Estado.

Com esta contradição, parece querer-se agitar a ideia de que as pensões estão em risco. Como tal, não pode ser afirmado apenas com base nas contas da Segurança Social, passaram a juntar-lhe a CGA cujo orçamento tem sido, no entanto, religiosamente assegurado pelo Estado, através dos sucessivos governos, conforme determina a lei.

A senhora ministra pretendeu, nesta entrevista, ficcionar uma imagem que em nada combina com aquilo que foi a sua prática quando estava em exercício efectivo de funções. A ética importa e a coerência, também.

Não esquecemos e não nos deixamos iludir.”

Artigo de opinião publicado no jornal Público