Uma temível normalidade

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O resultado da AfD deixou a quarta reeleição de Merkel no lugar de uma nota de rodapé das eleições germânicas. A. Gauland, um dos chefes de fila da horda nacionalista e xenófoba que vai entrar de tropel no Bundestag, anseia pelo dia em que os alemães possam recordar os seus feitos bélicos na II Guerra Mundial do mesmo modo como os franceses recordam as vitórias de Napoleão, como se o imperador e o Führer fossem comparáveis e como se existisse alguma proibição aos numerosos estudos internacionais que enaltecem a competência militar de Manstein, Guderian ou Rommel. Helmut Kohl foi o último chanceler a considerar que a “culpa alemã” (Die Deutsche Schuld) pela busca catastrófica de poderio, culminada no Holocausto, ainda não tinha prescrito, sendo isso positivo não só para a Europa como para defender a Alemanha dos seus próprios demónios. Gauland é a versão extrema de uma aspiração pela “normalidade” do egoísmo nacional que foi manifestada pela primeira vez pelo chanceler G. Schröder (1998-2005). Schröder submeteu o seu país a uma brutal austeridade competitiva, preparando-se para o euro como para uma guerra. As eleições alemãs sepultam a ilusão de que a vaga de renacionalização virulenta havia terminado na UE. A AfD promete estar na linha da frente dos partidos ultranacionalistas, que trazem no seu programa não apenas a destruição da UE mas também o colapso de tudo o que tem evitado uma nova grande guerra em solo europeu. Quando em 2011 Günther Oettinger, o homem que Merkel colocou na Comissão Europeia, pediu para os países que tinham cometido o “pecado” da dívida excessiva terem, compulsivamente, as suas bandeiras a meia haste nas instituições da UE, ninguém o demitiu. O nacionalismo neonazi da AfD é um problema de “normalidade” em sobredosagem. A contagem decrescente para a fragmentação europeia voltou a acelerar.

Viriato Seromenho-Marques
DN Opinião 25.09.2017