Reflexões a propósito das Primeiras Jornadas da APRe! sobre o
Envelhecimento Activo.
Realizaram-se em Coimbra no passado dia 10 de Novembro 2016, por iniciativa do Observatório do Envelhecimento da APRe!, as primeiras jornadas sobre o Envelhecimento Activo. Respondeu à chamada um número significativo de associados, à volta de 110 e foi gratificante ver a sala cheia. Quer a qualidade dos temas abordados, quer a qualidade dos intervenientes merece o maior destaque. Estas notas que se seguem visam apenas continuar a reflexão iniciada nestas jornadas.
Ainda recentemente o actual líder da Igreja Católica, o papa Francisco, chamou a nossa atenção para este tema, ao recordar um documento do papado de João Paulo II: “Os idosos ajudam a olhar para os assuntos terrenos com mais sabedoria, porque as vicissitudes lhes trouxeram o conhecimento e a maturidade. Eles são os guardiões da memória colectiva e, portanto, os intérpretes privilegiados daquele conjunto de ideais e valores comuns que regem e guiam a vida em sociedade. Excluí-los é refutar o passado, em que está enraizado o presente, em nome de uma modernidade sem memória. Os idosos, por causa da sua experiência amadurecida, são capazes de oferecer aos jovens conselhos e ensinamentos preciosos”. (Carta aos Idosos, 10).
Esta experiência mais amadurecida dos idosos é reconhecida em várias culturas e não vale a pena citar exemplos. Vale a pena sim destacar o reconhecimento desta experiência. Vale a pena sim sublinhar a afirmação de que excluir os idosos é refutar o passado.
Ainda nos recordamos todos da célebre afirmação dum tal deputado Carlos Peixoto que terá dito em tempos que o nosso país estava contaminado pela peste grisalha. A afirmação do dito senhor traduz apenas uma certa mentalidade muito pragmática que hoje vigora na nossa sociedade. De facto hoje os idosos são cada vez mais considerados como os inactivos da sociedade. Um peso a mais. Hoje em dia cada vez se valoriza mais a economia e a produtividade e sendo assim estes são os grandes factores da exclusão dos mais velhos pois que muitos acreditam que quem é velho, não é produtivo. A isto não é alheio o facto da economia ter um grande impacto na família e consequentemente nos mais velhos. De facto, a sociedade contemporânea, tida como sociedade de consumo, rege-se por valores materiais o que implica ter como principal objectivo a rentabilização da produção em que se privilegiam apenas os indivíduos activos. Ora se só são tidos em conta os indivíduos activos e que podem produzir mais, logo os mais velhos, como sendo pouco produtivos, são descartáveis. Sendo excluídos do trabalho, os mais idosos têm tendência a tornarem-se mais isolados, porque eles mesmos se fecham e se isolam, o que leva muitas das vezes a situações de grande dependência. Razão teve pois a APRe! em usar o slogan Não somos descartáveis.
Nenhum de nós nega que o envelhecimento é uma realidade. Noutro tempo a família cuidava dos idosos. Mas hoje, nesta sociedade em que mandam os ditames da economia, os filhos não conseguem tratar dos pais porque são obrigados a trabalhar. Logo, cada vez é menor o espaço para esta afectividade, para o convívio e cuidado que os mais velhos precisam. Torna-se por isso cada vez mais difícil o encontro de gerações e como as famílias têm poucas possibilidades de cuidar dos mais idosos, os mesmos são entregues (por vezes largados) a instituições, que na maioria das vezes não têm aquele cuidado humano e carinhoso, que só uma família pode dar.
Sabemos muito bem que há, nesta matéria, casos muito graves porque infelizmente muitas das famílias abandonam os seus velhos nos hospitais, nos lares, até por vezes nas próprias casas. Daí a importância de se alertar e de se criar uma cultura para o cuidado, quiçá uma educação para o cuidado dos mais vulneráveis. Compete sobretudo ao governo, mas também às comunidades autárquicas serem responsáveis por propiciarem estes cuidados, quer com a construção de lares, quer de Centros de Dia ou Centros de Convívio, onde os mais idosos possam tomar parte activa na sociedade. Por outro lado, deve ser obrigação dos estados criarem as condições e possibilidades das famílias cuidarem dos seus entes mais velhos nos próprios lares, pois que tal cuidado, nesse ambiente é, com certeza, muito melhor para os idosos.
Conhecemos também hoje experiências nacionais e internacionais em que idosos, adultos, jovens e crianças partilham espaços comuns e onde os idosos têm um papel extremamente importante no apoio, por exemplo, às crianças. Estas curtas experiências que vamos conhecendo mostram que podemos mudar o nosso olhar sobre o idoso que a sociedade teima em considerar pouco produtivo, inútil, parasita, utilizador passivo das regalias sociais próprias do seu estatuto e que contribui para pôr em risco a tão badalada solidez da segurança social. Claro que os idosos não serão apenas úteis nestas situações em que há convívio de várias gerações. Conhecemos certamente todos muitos casos de pessoas que se aposentaram mas que poderiam continuar a ter na sociedade papéis extremamente activos em muitos domínios. Mas curiosamente é o próprio estado que legisla de tal forma que não o permite. Estamos a pensar na Lei 11/2014 que diz taxativamente no seu artigo 78 o seguinte: “Os aposentados, reformados, reservistas fora de efetividade e equiparados não podem exercer funções públicas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública”.
Ao proibir desta forma clara o exercício de funções públicas aos aposentados a lei portuguesa passa-lhes um atestado de incapacidade. Como justificar tal proibição? Por que motivo podem exercer funções no privado mas não podem no sector público? Os mesmos que têm capacidade para exercer funções no sector privado não serão os mesmos que teriam capacidades para as exercer no sector público? Que razões de interesse público excepcional serão estas aqui invocadas? Quem as define? Em nome de critérios?
Cremos que está na hora de voltar a denunciar esta lei e cremos que a APRe!, que aprovará em breve novo caderno reivindicativo, deverá inscrever este desejo no seu caderno. Se não somos descartáveis, sejam consequentes com o slogan, porque ainda somos úteis em muitos sectores. E deixemo-nos de contradições. Por um lado temos apelo aos aposentados professores e médicos, por exemplo, para voltarem a colaborar com os seus serviços, por outro temos esta lei discriminatória que impede de trabalhar quem ainda o poderia fazer e sem tirar o lugar a ninguém. Ou afinal os idosos estão mesmo já fora de prazo e nada têm para partilhar?
José Vieira Lourenço,