Hoje é dia de reflexão, pausa temporal instituída pela democracia para proteger a sensatez dos eleitores do ruído do mascar da carne assada e das buzinadelas das caravanas automóveis. Mesmo daqueles eleitores que, durante a campanha, porventura cobertos de razão, tiveram a sensatez de fazer orelhas moucas ao frenesim etnográfico que cobre, invariavelmente, o prelúdio das eleições autárquicas. Não será certamente esta a razão primordial, mas cada dia de campanha focada apenas nos líderes partidários foi mais um dia de esquecimento dos problemas dos concelhos. Lisboa voltou a falar pelo e para o país inteiro. Mesmo que seja o país inteiro que vai a votos amanhã. Em tese, consigo entender a valia de termos um dia de paz espiritual, desprovido de promessas espúrias e demais excentricidades, mas a eficácia deste princípio é comparável à da água no combate às nódoas de azeite. Não só porque ninguém (posso arriscar dizer ninguém?) se fecha em casa ou no carro (ou no shopping) para refletir, mas sobretudo porque estamos em 2017 e o apelo das redes sociais não se compadece com as amarras passadistas que impõem o silêncio. Para a maioria, e infelizmente, as 24 horas de reflexão só são importantes porque lhes lembram que no dia seguinte há eleições e não vão votar. Por isso, seja original: reflita hoje, mas vote amanhã.
Pedro Ivo Carvalho
JN opinião 30.09.2017