Velhos são os trapos

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Estamos habituados a fazer uso de frases feitas sempre muito dignas com os mais velhos. Palavras como ajudar, respeitar, cuidar… Mas o que fazemos de facto para os tratarmos como pessoas e não como um produto acabado que temos a obrigação de preservar? Quantas vezes passamos à prática um conceito tão importante como a integração?

Ao ver um daqueles filmes sobre os quais não temos grandes expectativas numa daquelas tardes de domingo entre amigos, fui surpreendido por um reavivar de conceitos que, por vezes, todos nós teimamos em esquecer. “O Estagiário” retrata um homem de 70 anos que se candidata a um estágio sénior inserido num programa de sensibilização da comunidade para o bem-estar na terceira idade.

Embora no princípio a jovem diretora executiva da bem-sucedida empresa mostre relutância quanto às suas capacidades, este estagiário sénior acaba por demonstrar, através da experiência de vida, do carisma e da lealdade, que tem ainda muito para ensinar aos mais jovens, acabando por se tornar o ponto de equilíbrio da diretora numa fase mais conturbada da sua vida.

Pode ser um filme simples, com uma mensagem bem banal, mas eu acredito que hoje em dia tendemos a complicar demais algumas situações da nossa vida e a esquecer alguns dos mais básicos princípios que temos. Por vezes andamos tão obcecados com a azáfama do dia-a-dia, trabalho, problemas pessoais e individualismo excessivo que nos esquecemos dos outros, que não vemos, talvez por sabermos que vão estar sempre ali, com o mesmo amor, o mesmo carinho, a dedicação de sempre, e acabamos por só lhes dar valor quando se vão embora.

E não é com pena, com visitas por favor ou com fretes que se vai lá. Vai-se lá com igualdade, com respeito, com oportunidades, com saber retirar o melhor que cada um tem para oferecer em determinado momento da sua vida. Porque é na cabeça que está o segredo, é na forma de pensar que encontramos a idade, e não no cartão de cidadão. Eu, por exemplo, tenho uma avó que continua a fazer tudo melhor que eu. Cozinha melhor, escreve melhor, fala melhor e ainda conduz com mais irreverência que eu.

Adoro beber dessa experiência. É por isso que tenho o prazer de contar com inúmeros amigos de faixas etárias superiores porque gosto de com eles construir o presente, e não colocá-los no passado. Só assim conseguirei ser sério comigo mesmo.

Mas este filme, de facto, fez-me lembrar que, por vezes, podia fazer mais um pouco para estar com algumas pessoas que estão sempre ali e, por isso, mereciam mais de mim. Às vezes uma conversa, uma atenção, um almoço. A presença não só física, mas psicológica também. Estar ali a viver os momentos como eles de facto merecem ser vividos, como únicos, e não como uma obrigação genealógica.

Por vezes, um filme de domingo à tarde tem a capacidade de nos chamar de volta ao caminho que defendemos, às pessoas que nos querem bem, aos que merecem que também eu esteja um pouco ali. Nunca será um filme para Óscar, mas foi para mim bem mais importante. A mensagem, o conteúdo. Há pessoas que nos deram tudo e merecem um bocadinho de volta, e não vale a pena arranjar mil e uma desculpas. Tem de dar, porque quem esteve sempre por aqui merece que eu esteja um pouco mais por lá.

José Paulo do Carmo
Jornal i 26.02.2016