Vícios do Estado, virtudes do Governo

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Interminável, a novela da falência da Administração Pública e da diabolização do Estado – em cena desde o início desta legislatura – arrasta-se de episódio em episódio num enredo cada vez mais intrincado e obscuro.

A tese a demonstrar é sempre a mesma: o Governo até é bom, o Estado é que não presta!

1. As políticas de austeridade provocaram desemprego massivo, falências, o colapso da economia, a pobreza generalizada e, ainda por cima, aumentaram a dívida? 
– Mas que se havia de fazer? Era a troika quem mandava!

2. O ministro dos Negócios Estrangeiros entrega uma carta de demissão e anuncia publicamente que a sua decisão é irrevogável?
– O primeiro-ministro mete a carta ao bolso, não diz nada a ninguém, e alguns dias depois Paulo Portas ressuscita como vice-primeiro-ministro.

3. São imprevisíveis os encargos que o Estado terá de suportar para resgatar o BES da falência?
– A ministra das Finanças, o Governo e o Presidente da República nada podiam fazer. As soluções são da responsabilidade do governador do Banco de Portugal.

4. As escolas não abriram e as crianças ficaram semanas a fio sem aulas por falta de professores?
– Foi uma falha do sistema de colocações. O ministro da Educação nada tem a ver com isso.

5. Os processos perderam-se no novo mapa judiciário, os julgamentos foram adiados, a administração da justiça ficou bloqueada durante um mês?
– Foi sabotagem de um sistema informático obsoleto. A ministra da Justiça não teve culpa.

6. Os doentes amontoam-se nas urgências hospitalares, esperam durante dias para serem atendidos e alguns acabaram por morrer sem consulta?
– Foi por causa da epidemia da gripe e do envelhecimento da população. O ministro da Saúde nada pode fazer.

7. Perante a violação sistemática dos dados pessoais dos contribuintes, em vez de se corrigir as falhas do sistema que ameaçam os direitos de todos, cria-se uma lista de notáveis com direito a proteção especial?
– Demite-se o diretor-geral da Autoridade Tributária e o subdiretor da Justiça Tributária. A lista nunca existiu mas ainda que alguma vez tivesse existido, a culpa não é da ministra das Finanças, o seu secretário de Estado de nada sabe, o primeiro-ministro não quer saber e o Presidente da República proclama que tudo se resume a politiquice partidária e manipulação eleitoralista.

E foi assim ao longo dos últimos quatro anos: os culpados da crise são o Governo anterior – irresponsável e despesista – e este povo preguiçoso que queria viver acima das suas possibilidades. O Governo não sabe, não faz, não responde nem presta contas do que quer que seja… e por isso decidiu finalmente decretar “o fim da crise!”.

Pedro Bacelar de Vasconcelos
PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL
Opinião JN27.03,2015